sexta-feira, 30 de maio de 2008

ATRIUM DO SALDANHA




Abaixo do Rés-do-Chão,
ali ao meio,
mora um piano.
É preto.
Tem cauda longa.
As mais das horas
ninguém lhe toca.

Um turbilhão de gente
por ele passa
e o ultrapassa,
indiferente.
Vai tão alheia,
Tão apressada.

Ninguém o olha
e se o olha
é pelo rabo d'olho.

Como a um leproso,
a um mendigo,
sempre calado.

Do meio dela
sai alguém.
De meia idade.
Um samaritano.
Bem aprumado.

Traz uma pasta
e vai para ele.

Ergue-lhe a tampa.
Tira o casaco.
Ajeita-lhe o banco.
Rebusca nas pautas.
Limpa-lhe o pó.


Reveste o casaco.
Rebaixa-lhe a tampa.
Volta-lhe as costas
e vai dar uma volta...

E o piano,
mais reluzente,
ali fica calado,
mas indiferente.

Homem da limpeza?
Um samaritano?
Mesmo mendigo
ou leproso escondido?...

Porque não pianista?...