sexta-feira, 4 de julho de 2008

Pedras Preciosas


Tive um sonho. Eu era miúdo. Dei comigo, em calções, sentado na valeta ao pé de minha casa. Era Verão.
Não havia perigo. Os carros eram raros. Lá passava um, de hora a hora.

Pela tardinha, gostava de brincar, ali, sozinho, na valeta da estrada, ao pé de minha casa. As valetas eram regos toscos, um de cada lado da estrada, ainda era em terra batida com cascalho.

Depois das chuvas de Inverno, aquelas valetas formavam uma espécie de ribeira seca. Com folhas mortas, de plátano e de videiras, muito arrumadas, em tapete, ao longo das margens barrentas.

De vez em quando o leito espraiava-se em açudes de areia, muito lavada e fina, lavrada por sulcos e ravinas, em miniatura, de ramagens caprichosas.

Só não havia conchas, como na Póvoa de Varzim. Eu gostava que houvesse conchas. Seria sinal de que vivia ao pé do mar. Tanto queria.

Minha terra ficava longe do mar. Entre montes e serras altas. Com neve branca no Inverno.Com muitas árvores. Muitos campos, povoados de muito aves buliçosas. Ora umas, ora outras. Não eram sempre as mesmas. Como eu e os meus companheiros de escola. Éramos sempre os mesmos.

E havia muitos penedos de granito. Eram bolas gigantescas. Espalhadas pelas encostas. O seu tamanho deixava-nos de boca aberta.

Volta e meia, ouvia-se estrondos ao longe. Ribombavam como trovões. De meter medo.
Meu pai dizia:
- São os pedreiros, nas pedreiras dos Perdidos.

As pedreiras ficavam a léguas de distância. Frequentemente, passavam carros de bois, com aqueles eixos em toro grosso de madeira, a chiarem, como cães danados. Tanta e tamanha era a carga.
E o meu pai dizia:

- Estas pedras vêm das pedreiras dos Perdidos.

Eu ouvia-o. Depois, cá com os meus botões, ficava a pensar no resto:

Nas casas que eu via serem erguidas, em fiadas de blocos de pedra talhada, habilidosamente encastelados, em fiadas; nos esteios delgados que seguravam ao alto, as ramadas e os bardos de vinho verde; nas colunas lisinhas e trabalhadas que seguravam os portões das casas apalaçadas.
Enfim. Tudo era feito para durar. Eterno. Com a pedra saída das pedreiras.

Sempre fora assim. Por isso é que havia tanta areia fina pelas valetas. Não era dura. Nem sequer seca a camada que fazia. Podia-se escavá-la, húmida, até achar terra negra e dura, com os dedos da própria mão. Debaixo daquela capa fina, logo apareciam pedacitos, de tamanho variado, matizados e tão macios, pareciam ovos de passarinho.
Eram lindos. Ora baços ou reluzentes, às camadinhas tão perfeitas, de muitas cores. Como berlindes, quando lhes batia o sol.

Ainda bem que, pela estrada, as pessoas grandes, tisnadas de sol e a cabeça consumida, de problemas, passavam indiferentes a tanta riqueza que eu, avaramente, levava para casa, numa saca.
Eram pedras preciosas!...