segunda-feira, 16 de junho de 2008
NATAL DA GRACIOSA
Era um barco,
grande,
a esbordar de contentores.
Partiu de madrugada,
sobre o mar.
Onde vai,
tão alegre,
leva pressa de chegar?
Os meninos da Graciosa,
depois que chegou Dezembro,
mal acordam,
vão espreitar,
se lá vem o barco grande...
Sonharam todo o ano,
com as prendas de Natal.
- Deus lhe dê boa viagem,
ele há-de lá chegar!...
Traz comida,
roupa nova,
brinquedos,
tantos sonhos cor de rosa,
p'rás vitrinas de Natal.
Ó presságio tenebroso!
É tão estreita
e pedregosa,
tanta rocha e rochedo,
até as ondas alterosas
têm medo,
Bem à porta
da Graciosa!...
- Lá vem ao longe
o barco grande,
vem cansado,
mas feliz,
a esbordar de contentores!...
Se ele soubesse
a nuvem negra de tristeza,
que vai cair
sobre os meninos de Graciosa!...
Aquelas rochas cegas
e rochedos
nunca o deixaram lá chegar!...
quarta-feira, 4 de junho de 2008
Não há poesia nos ares
Ó carros loucos e fumarentos,
em desatino,
pelas estradas;
Ó cigarros roucos
que amortalhais
os lábios talhados
para a sorte de amar;
Ó atrevidas chaminés,
pelo céu acima,
que aspergis veneno
pelos prados e pelas boninas;
Ó esgotos negros,
pestilentos
das cloacas das oficinas
que vazais mixórdia,
sem vergonha,
nos rios puros
que vão para o mar;
Ó naves traiçoeiras
que voais escondidas,
para lá das nuvens,
bentas,
e devorais as nascentes
cristalinas
das brisas meigas;
Ó centrais atómicas,
alapadas
nas tocas do deserto
ou ao pé do ventre
das cidades;
Ó obscuros caldeirões de química,
tapados pela hipocrisia
do progresso,
sem limite,
onde o ignorante
pensando que é sábio,
extermina, cego,
a sua vida e a do futuro;
Ó vinte séculos de existência
dum mundo farto,
de beleza e de riqueza,
navegando louco,
pelas mãos do homem;
Ó mar revolto,
sem maresia,
sufocado,
sem poesia!...
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