quarta-feira, 4 de junho de 2008

Não há poesia nos ares






Ó carros loucos e fumarentos,
em desatino,
pelas estradas;

Ó cigarros roucos
que amortalhais
os lábios talhados
para a sorte de amar;

Ó atrevidas chaminés,
pelo céu acima,
que aspergis veneno
pelos prados e pelas boninas;

Ó esgotos negros,
pestilentos
das cloacas das oficinas
que vazais mixórdia,
sem vergonha,
nos rios puros
que vão para o mar;

Ó naves traiçoeiras
que voais escondidas,
para lá das nuvens,
bentas,
e devorais as nascentes
cristalinas
das brisas meigas;

Ó centrais atómicas,
alapadas
nas tocas do deserto
ou ao pé do ventre
das cidades;

Ó obscuros caldeirões de química,
tapados pela hipocrisia
do progresso,
sem limite,
onde o ignorante
pensando que é sábio,
extermina, cego,
a sua vida e a do futuro;

Ó vinte séculos de existência
dum mundo farto,
de beleza e de riqueza,
navegando louco,
pelas mãos do homem;

Ó mar revolto,
sem maresia,
sufocado,
sem poesia!...

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