quinta-feira, 19 de setembro de 2013


bula do mendigo quase cego e pedinte...

Fiz um espantalho de farrapos velhos
Que tinha no sótão.
Pu-lo prantado à entrada da porta da rua.

Veio o carteiro de mota
E o saco bem cheio de cartas e notas.
Olhou para ele.
Sorriu. Torceu o nariz e andou.

Veio a padeira, vermelhusca,
De canasta à cabeça.
– Minha nossa senhora!
- Temos o fim do mundo, mesmo à porta!

Veio um padre,
Vestido de preto
E sapato em verniz a brilhar,
Pisando no chão.
Olhou o macaco.
Fez uma cruz do tamanho do braço
E partiu orando ao céu.

Veio um ferreiro sardento
E carroça de burro,
Com a forja em brasa.
Fitou o boneco, dos pés à cabeça.
Tirou-lhe o boné
E continuou o caminho. 
Mas o burro malhado,
Piscando seus olhos redondo,
Zurrou profundo
E descarregou um montão de excremento.

Veio um pedinte-mendigo,
Quase cego dos olhos,
De cabeleira comprida,
Coberto de manta sem cor
E um saco de serapilheira vazio.
Parou confundido
Diante da porta.

– olá, meu irmão
Que passaste a noite
Gelado ao frio, sozinho,
Toma um pedaço do manto
E cobre ao menos o peito,
Enquanto teu dono não chega
E te abre a porta...

Mafra, 19 de Setembro de 2013
16h12m

Joaquim Luís Mendes Gomes

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