quarta-feira, 31 de julho de 2013

meditações da noite...


Contemplação da noite...

 

Em cima desta pedra ronda,

pela madrugada,

contemplo ao alto,

uma imensidão estrelada.

 

Tantos pontinhos brancos,

a brilhar de luz...

uma parcela apenas

do universo total.

 

Que será a terra,

onde vamos nós,

vista de lá?

 

Minúsculo pontinho,

onde não cabe nada...

uma faúlha azul

que Alguém acendeu...

 

Um baú doirado,

só o sabemos nós,

onde vais tu e eu...

 

Nenhum telescópio celeste

nos consegue ver...

Só nós temos alma e olhos

para os poder contar,

sem saber porquê!...

 

Berlim, 31 de Julho de 2013

Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 29 de julho de 2013

só...no terraço...


 

Só, no terraço...

 

Estranha sensação

de vazio e cansaço.

Chegar ao terraço

e não ver o céu a brilhar.

 

Tudo cinza,

negro e calado.

Sinto cá dentro

a mesma vontade de sempre

de voar e sonhar.

 

Minhas asas estão presas

em laços atados

que não consigo soltar.

 

Olho em redor.

Não vejo uma fresta

por onde entre o sol.

 

O embaraço fere

E é quase total.

Querer e não ter...

mais nada para dar.

 

Só me resta a certeza e a esperança

de que minha fonte infinita não seca.

 

A água sedenta de sede

há-de voltar a correr...

 

Berlim, 30 de Julho de 2013

7h58m

Joaquim Luís Mendes Gomes

sábado, 27 de julho de 2013

nas asas do vento...


Nas asas do vento...

 

Deixo-me ir

nas asas do vento.

Sem rumo ou destino.

 

Fico onde chegar.

Deserto ou oásis.

Serra ou vale.

 

Não poiso no mar,

onde posso morrer.

 

Oiço canções.

Balbuceio orações.

 

Sonho os sonhos

que gostava de ter.

 

Tremo de frio,

Se o sol não se abrir.

 

Sou nauta perdido nos ares,

à tona do vento.

Sou folha cadente

à procura do chão e dormir...

 

Ouvindo le Cygne com André Rieu

 

Berlim, 27 de Julho de 2013

11h46m

Joaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 26 de julho de 2013

fonte santa...


A fonte santa...

 

 

Na aldeia das casas velhas,

tudo era velho.

Menos os putos.

 

Eram velhas as tílias gigantes,

à volta do largo.

Que servia de sala.

 

E uma fonte tão velha,

de pedra negra,

mesmo no meio,

sempre a botar.

 

Água viva que nascia na serra,

muito distante,

por um rego antigo, em pedra,

que vinha descendo,

por entre campos e montes,

ao sereno sabor dos declives,

aqui e ali, sobre suportes robustos

de granito talhado a cinzel.

 

Havia três tanques grandes,

ligados em círculo:

num se lavavam as roupas das gentes;

noutro, vinha, à vez, todo o gado beber;

o outro era para a rega geral

e, também, o regalo dos putos,

nas tardes quentes da escola.

 

Por isso, lhe chamavam de santa,

àquela fonte,

de agora e de sempre...

 

Berlim, 26 de Julho de 2013

18h31m

Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 25 de julho de 2013

sons do silêncio...


Sons do silêncio...

 

 

Lanço ao vento

Meus sons do silêncio.

Sinais e fachos ardentes. 

São gritos

Vêm de dentro,

Como chuva e granizo,

Caídos do céu.

 

Cantam e choram.

Louvam e oram.

Riem, aplaudem, alegres.

Bradem e soluçam de dor.

 

Estrebucham bravios,

De raiva contida

Que apetece matar.

 

Trombetas finais,

Clamando justiça,

Pregando união.

 

De mãos dadas,

Nada é fatal,

Se a vontade quiser...

 

Com força e à uma,

De todos,

No mesmo sentido,

O barco, cravado na areia,

Por causa da sorte malsã,

Entra nas ondas

E avança no mar,

Fugindo à ameaça da morte.

 

 

Berlim, 26 de Julho de 2013

8h29m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

o silêncio do som...


O silêncio do som...

 

Esvoaçam no ar,

de braço dado,

Sem se zangarem,

dois irmãos de peito:

O som e o silêncio.

 

Como dois passos,

Um à frente,

Outro atrás.

Nunca chocam.

 

Se entendem e ouvem,

Com o mesmo respeito.

Enquanto um fala,

O outro ouve

E cala.

 

Tocam o vento,

Assobiando,

contentes.

 

Dançam nas ondas,

Fugindo do mar.

 

Cantam nas aves,

Canções de amor.

 

Correm nos rios,

Com todo o ardor.

 

Bailam nas nuvens,

Como condores.

 

Entoam nortadas,

De todas as cores

Com tanto rigor,

 

Remexem searas,

Quais borboletas.

 

Vivem nos bosques,

Como sereias.

 

Ralham ao mundo,

Nas trovoadas.

 

Festejam de gala,

Nas sinfonias.

 

Ribombam nos bombos,

Nos dias de festa.

 

Jogam às escondidas,

Como os piões,

No recreio da escola.

 

Dormem e sonham

Como um casal

Que só pensa

Na hora de amar...

 

Berlim, 25 de Julho de 2013

16h46m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

calda feliz...


Uma calda feliz...

 

Misturei minhas mágoas de trás

com as alegrias de hoje,

são tantas,

fiz uma calda e bebi.

 

Sabe-me a mel com picos de dor,

Raiada de esperança,

Matei minha sede

E continuei a viver.

 

O caminho tem pedras,

Lisas, agrestes...

Por vezes, podem doer.

 

Mas se todo lisinho,

Sem pregas,

Escorregam os pés

Quem é que não cai?...

 

Se fosse tudo brilhante,

Sem sombras,

Desapareceria

a beleza das formas,

e a profundeza das cores.

 

A terra seria uma esfera,

fria e luzente,

Sem rios e vales profundos,

Escorrendo das alturas das serras.

 

Por isso, há o dia e a noite,

Tecido de horas alegres e tristes,

Numa calda perfeita e exacta,

É o coração quem a faz

E o diz...

 

Ouvindo o tema de Lara

 

Berlim, 25 de Julho de 2013

10h15m

Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 23 de julho de 2013

virtude da sombra...


Virtude da sombra

 

É na sombra que crescem raízes.

Humildes,

Como larvas felizes,

Cavam alicerces,

Prendem amarras,

Na crosta das rochas.

 

Vivem do húmus, se o houver,

Sem reclamar.

Tecem as malhas,

Que vestem,

Como musgo da terra.

 

Bebem da água

Que a chuva lhes deixa

Ou brota do chão.

 

Na hora certa,

Com tudo exacto,

Abre seus olhos,

Põe-se a espreitar.

Olha para o céu,

Fazendo as contas.

 

Se houver lugar,

Põe-se a crescer,

Com a força do sol.

 

Foge das nuvens,

Foge das sombras,

Para não morrer.

 

Crescem-lhe os ramos,

Como um andor.

Pintado de verde.

Brotam botões,

Como anéis a brilhar,

Na ponta dos dedos.

 

Expostos ao sol,

Rebentam folhinhas,

Envolvem um ventre,

E ficam às cores.

 

Soltam perfumes,

Que vão pelos ares

Fornalhas de seres

Fruto abundante...

Dão para comer e guardar

No chão das raízes...

 

Berlim, 24 de Julho de 2013,

7h48m

Joaquim Luís Mendes Gomes

pitada de sal...


Uma pitada de sal...

 

- O sal faz mal.

Dizem alguns, com razão.

Queixam-se os rins e o sangue.

 

Mas vem a língua mordaz e diz:

- Este patrão não vale um tostão.

Apaga-me a luz e põe-me a dormir.

Sinto-me só um tapete de trapos

Onde limpa seus pés.

Tudo me sabe

A batatas e grelos,

Sem calos nas botas,

Pior do que cardos

Neste mar de papilas

Insonsas,

Pior que papoilas,

Cheias de calos.

 

Bastava uma pitadinha

De sal e pimenta,

Para me encher de prazer,

Nesta dança do ventre

Que tenho de encher,

Cada vez,

Para o patrão se calar...

 

Berlim, 23 de Julho de 2013

17h19m

Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 22 de julho de 2013

milagre do sol...




Milagre do sol

 

O sol nasceu na cozinha,  

Passou a vidraça da porta da sala,

Esbarrou-se em mim

Que tentava escrever.

 

Eu estava às escuras.

Nada saía...

Agarrei-me a ele e fui.

 

Lá de cima, tudo enxerga,

Tudo devassa.

Não há recanto

Que sobre.

Basta uma fresta.

 

E o milagre acontece.

Da escuridão das trevas

Renasce a luz.

 

Tudo ressalta e brilha

Na sua forma e no ser.

Até as pregas das sombras

Vêm às claras.

 

Chovem as cores,

Luzem matizes.

 

E duma tela, negra e escura,

Sai um painel em fogo.

Cada objecto é uma acha

Que arde.

 

Da sala escura e vazia

Uma lareira viva de cores,

Só porque a força do sol

A preencheu gratuita de luz.

 

Berlim, 23 de Julho de 2013

6h24m

Joaquim Luís Mendes Gomes

domingo, 21 de julho de 2013

orvalho da manhã...


Orvalho da manhã...

 

 

Lavo minhas lágrimas

Com o orvalho das manhãs,

No ribeiro que passa

Aqui ao pé.

 

Enquanto,

pardais e toutinegras chilreando,

Mas enxugam,

Com suas penas

E consolam, docemente.

 

Sereno minh’alma,

Das agruras,

Na brandura leve

das ondas mansas

que levam o rio

até ao mar.

 

Descanso os meus olhos,

Ainda ardentes,

Com a sombra benigna

Do folhedo verde,

Transparente.

 

E medito ao vento com saudade

Nos sonhos de criança

Que, de tão longe,

me vão chegando em pensamento.

 

Foram tantos os que

Viram a luz do dia,

Felizmente,

Mas muitos mais

Os que da noite,

Tristemente,

Nunca emergiram...

 

E são esses que, agora,

me visitam como sombras,

Como em noite linda de natal...

 

Ouvindo André Rieu...

 

Berlim, 21 de Julho de 2013

8h57m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

 

 

sábado, 20 de julho de 2013

esperança...


Esperança...

 

 

Desci do meu castelo,

E parto de nau à vela,

Buscar sonhos,

No mar das estrelas.

 

Com ondas e vento

Que a forja do tempo

Não consegue apagar.

 

Não levo bandeiras

Nem armas.

Nem remos.

 

Levo a esperança,

Que algures,

Mesmo sem estrelas,

Eu hei-de sonhar.

 

Berlim, 20 de Julho de 2013

15h18m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

prefiro os cactos...


Prefiro os cactos...

 

Vou para a praia cantar ao mar,

Não cansado ou desiludido da terra,

Mas de quem hoje manda nela.

 

Quero esperar as ondas,

Incessantes e certas,

Que espalham frescura

E,  brandamente,

Me banham os pés.

 

Quero sentir no rosto,

As vagas de brisa,

Com sabor a sal.

 

Quero ver partir para a sua faina,

Até desaparecerem ao longe,

Aqueles barquitos breves,

Onde só cabem três...

Porque o resto

É para a riqueza viva,

Mais importante,

Que querem trazer.

 

Quero ouvir só

O silêncio das dunas secas,

Que sem atropelos,

Tecem ondas,

E se banham ao sol.

 

Prefiro os cardos,

Cheios de espinhos

Porque são só cardos...

Que os vizinhos da terra,

Que a cobriram

De flores do mal...

 

...ouvindo sax, pela manhã

 

Berlim, 19 de Julho de 2013

7h17m

Joaquim Luís Mendes Gomes

de portas abertas...


De portas abertas...

 

A estrada,

que dá prá minha casa,

estava cheia de buracos

e eu tropeçava...

 

Ladeá-los não chegava.

Quase caía...

 

Peguei numa pá,

Num carrinho de mão,

Enchi-o de saibro, com pedras,

Com água,

fiz uma massa

e cobri-os.

 

Veio o sol,

Ficou mesmo duro.

 

Vieram as chuvas,

E a estrada ali está,

Aberta para mim

E para todos

Que a queiram trilhar...

 

Foi ver chegar os amigos,

Até minha casa,

Com caminho alisado

e portas abertas

A quem quiser entrar...

 

Ouvindo Clayderman...

 

Berlim, 18 de Julho de 2013

9h53m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

 

 

faces das redes...


Faces das redes...

 

Só com buracos

fazem cercos

Que protegem fiéis e

Cumprem à risca:

 

Nada lhes sai

nada lhes entra

maior que o maior.

 

Mas do avesso,

Só permitem saída,

Ao menor do que eles.

 

Cercam as quintas

Como muralhas,

Como se fossem de aço.

 

Fazem de sacos

Que enchem navios.

Apanham os cardumes incautos.

 

Cobrem os poços

Por causa das aves.

Ocultam os rostos

Como mantilhas.

 

Abrigam searas,

Das forças do vento, mas

Fazem de tendas.

 

Fazem barreiras.

Servem de cama,

Servem de berço,

Não precisam de palha.

 

 

Em filigrana fina,

Tecem as teias,

Vestem medusas,

Enformam as células

Que levam o sangue.

 

Tecem as asas,

Levam sementes,

Semeiam searas.

 

Irradiam em ondas,

O som e a luz

Que abraçam o mundo...

 

Ouvindo Gospel choir do Soweto

 

Berlim, 18 de Julho de 2013

8h36m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

 

 

 

terça-feira, 16 de julho de 2013

mercado das luzes...


Mercado das luzes...

 

No universo de liberdade

Que estes olhos vêm

Há tantos caminhos,

Tantas faces,

Tantos rostos,

Tão reais,

Como de estrelas,

Lá nos céus...

 

Por todos,

Se vai em rumo certo,

Se com Deus, como nosso sol...

 

Sua luz ilumina igual e fundo,

Todos os recantos,

Os mais sombrios,

Sem discriminar.

 

Basta se lhe expor sem reservas...

Tudo o que somos

E o que temos em nós,

E tudo fica a luzir

E perfumado,

Como a roupa nova

Que se merca

Na melhor tenda

E melhor mercado...

 

Berlim, 17 de Julho de 2013

7h22m

Ouvindo Michael Jackson em saxofone

 

Joaquim Luís Mendes Gomes

inebriado de ...mel...


Inebriado de...mel...

 

Estou cercado de tílias gigantes,

Onde voam livres

milhares de abelhas.

Colhem o mel

Que lhes serve a elas

E, sem discutirem,

Põem à disposição da gente.

 

Que lindo exemplo

Para nós mortais.

 

Podiam escondê-lo.

Já saciadas,

Oferecem livres

O que lhes sobra.

 

Bela lição de abelha-mestra.

Vivo inebriado

em perfume de mel...

 

Para elas é bom...

Para nós é mais.

 

Berlim, 16 de Julho de 2013

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

 

 

 

três condições...


As três condições...

 

 

Se utilizo bem

Quem sou e o que tenho,

Em meu favor,

Igual a quem,

Por bem,

Me bate à porta,

Acabarei bem os meus dias.

Fui quem devia ser.

O mundo cresceu

E ficou mais feliz

E eu também.

 

Se oiço, atento

E sigo direito,

O que me vem de dentro,

Para bem meu,

Antes de fazer

O que quero fazer,

Dará sempre certo,

Porque a lei está escrita...

 

Se apanhei o barco certo,

Com rumo seguro,

Porque o pensei bem,

Antes de me fazer ao mar,

Basta esperar...

E o porto vem.

 

Porque sei quem sou.

Quem vai comigo.

Vou atento.

No barco certo.

Em boas mãos.

Assim, foi escrito...

 

Berlim, 16 de Julho de 2013

10h6m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

segunda-feira, 15 de julho de 2013

horas devassas...


Horas devassas...

 

São escassas as horas mortas da estrada.

Sem termo, rolam as rodas,

de lado para lado.

Fico atónito como nasce a riqueza,

Se metade da vida se passa a correr...

 

A vida germina tão lenta no seio da terra.

Percorre um caminho

Tecido de passos tão leves,

Parece que morre.

 

Ao cabo dum tempo,

Contado ao segundo,

Desabrocha flor ou árvore de fruto,

Pronto a comer...

 

Dentro de nós,

Sem compassos de espera,

Remoinham em teias,

Ideias pintadas de cores.

 

Umas são claras,

Outras mais escuras.

Todas com cores.

Percorrem no rosto

E semeiam sorrisos...

 

Às vezes, fios de lágrimas

Que sabem a dor.

 

Berlim, 15 de Julho de 2013

16h45m

Joaquim Luís Mendes Gomes