domingo, 31 de agosto de 2014

da minha janela...

da minha janela...

desde manhã,
me apoio no parapeito
da minha janela, aberta.

fico à espreita.
e à espera.
tudo que mexa 
eu vejo, remexo e meço.

fico desperto.
meus olhos.
ouvidos
e sentidos escondidos.

melhor que radares.
de último grito.
seu servidor,
embora distante,
está sempre ligado
e atento.
como um farol.
sabe de tudo.
mais que a internet.
nada me cobra.

vejo as cores da natureza.
como elas se enlaçam,
fazendo figuras,
em movimento constante.

vejo as nuvens enormes,
que voam,
parecem dormir.
mudando de forma,
num pronto a servir.

e a bola de fogo
que vem lá do fundo,
uma fornalha esparzindo,
luz e calor, 
fogueira de amor,
um rio de lava benigna,
alimentando, 
sementeira de vida,
no chão e no ar.

oiço sonidos ocultos,
reais,
que passam correndo,
não sei donde vêm.
consolam-me a mente,
de música constante,
relaxam meus nervos
das cargas pesadas
que trago aos ombros.

e sinto, lá longe,
o cheiro do mar,
num baile sem fim,
baforadas frementes
das algas dançantes,
vestido comprido,
nos braços das ondas
que se espraiam na areia.

minha alma, mais leve,
fica orando e cantando,
voltada para a vida,
cheia de ânimo.
contando segundos e horas,
com outro sabor...

benditas janelas
que me ligam ao mundo
e me fazem viver...

ouvindo "sonata moonlight" de Beethoven, por Tiffany Poon

a noite, vestida de negro...

Mafra, 1 de Setembro de 2014
5h 47m
Joaquim Luís Mendes Gomes




sábado, 30 de agosto de 2014

aranguês....

aranguês...

nome de terra mágica,
tão bem pintado
por uma viola a arder
nos dedos divinos
dum filho de Lúcia,
uma portuguesa...

tem a cor do fado
ao fundo,
a alma profunda
que lhe dá luz
e o ser tristonho
de quem sofre de amor.

a leveza pálida
das terras do sul
onde os sobreiros vivem,
à borda do mar
e dum rio azul.

algarvia a Mãe,
Lúcia de nome,
um génio dela nasceu
e se fez aranguês.

glória de espanha
encantando o mundo,
abraçado às cordas
dum violão doirado
que ele dedilha
como um pintor...

ouvindo concerto aranguês
Por Paco de Lúcia

ainda é escura a noite

Mafra, 31 de Agosto de 2014
6h01m
Joaquim Luís Mendes Gomes

a solta na praia...

à solta na praia...

desamarrei as minhas mãos
e parti livre,
em busca do tempo
que perdi.

fui ao mar.
ver as ondas que chegavam.
e as saudades que ali deixei.

minhas mágoas eram tantas,
esbordou o mar,
com as lágrimas doces
que eu verti.

suspirei bem fundo.
enchi meu peito.
vi a madrugada
envolta em bruma
das labaredas todas
que eu soltei.

fiquei dormindo
sobre a areia.
de manhazinha,
ao sol nascendo,
havia tantas gaivotas
batendo as asas
como que a me chamarem.
um dia mais estava nascendo.
seriam horas de eu voltar...

seguindo adágio de albinoni...

Mafra, 30 e Agosto de 2014
2h4m
Joaquim Luís Mendes Gomes

no dia e que um filho faz anos...

no dia em que um filho faz anos...

dar um filho ao mundo
é o maior gosto da vida
que se pode aspirar.

e se, com a nossa bênção,
ele cresce feliz
e se faz homem de bem,

ó que poder sem preço,
quase divino,
Deus pôs na nossa mão!...

ouvindo Sarah Brightman , em
"Ó mio bambino caro"

Mafra, 30 de Agosto de 2014
16h34m
Joaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

sedução das colinas...

sedução das colinas...

donde me vem esta sedução pelas colinas?...

adoro as fragas. 

de muito íngremes.
com tantas refegas negras,
me cansam. me estonteiam.
apetece fugir delas.
me esmagam na pequenês de mim.

prefiro os vales.
onde, suaves,
deslizam os rios
e a vida se espraia,
verde e mansa.

mas, com o tempo, também cansam...

subo a encosta. extensa,
em ondas de terra.
como se fosse um mar.

não cortam os olhos,
não têm gumes.

são doces, banhadas de brisa.
nasce-lhe o feno em manta imensa

suavemente, me abrem seus braços,
me põe dançando.

as valsas do vento...
como se fosse em gelo,
com tanta graça,
com tanto brio.
fazem chorar.

me sinto ao colo quente
de minha Mãe...

oiço os silvos,
as melopeias.
o bater das asas
e o frémito em chama
das borboletas...

pintas de cor.
dum rubro em sangue,
salpicam o verde,
num mar sem fim.
meus olhos cintilam a arder,
com tanta luz...

minha alma sobe no ar.
um balão feliz...

ouvindo música suave variada

um sábado quase a nascer, ainda sem cor

Mafra, 30 de Agosto de 2014
6h17m

Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

sou assim...

sou assim...

tal e qual.
forte e muitas dobras de fraquezas.
um claro escuro,
a transbordar
de muita incerteza.

o meu caminho segue.
e nele eu vou,
tal e qual eu vim ao mundo.
muito de mim
não fui eu que fiz.

sou um fruto.
dum pomar com dono.
a semente.
não fui eu quem a botei.

tenho caule.
tenho copa.
brilho ao sol
e lá nos pés,
a minha raiz...

ouvindo Rachmaninoff, nº 2

Mafra, 29 de Agosto de 2014
7h28m
Joaquim Luís Mendes Gomes





procissão da vertigem...

a procissão da vertigem...

começou à hora,
a passar duma para a outra margem.

tanto andor, alto, colorido.
tanta gente de opa,
de fato inteiro
e de gravata.

tanta irmandade,
cada uma sua bandeira.

tanto círio e vela acesa.
cada um e uma
a cada ídolo.

há incenso e pétalas no chão.
e muitas pinturas rupestres
de cada lado das paredes.

sobem foguetes.
com fragor.
só fumaça e cheiro a pólvora seca,
sem nenhum estrondo.

há pálios e coros lúgubres,
entoando hinos descoloridos.
até palhaços ali vão aos saltos,
trepando loucos
à procura das cadeiras.

e a fechar,
aqui vou eu,
e, garbosa e impante,
vai uma banda inteira
de pandeiretas...

ouvindo Mahler

amanhece a 6.ª feira, com ar cinzento

Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

a muralha...

a muralha...

um campo aberto,
exposto ao vento.

um monte ao alto,
cercado de céu.

um mar infinito,
caiado de cal.

uma alma imortal,
de asas quebradas.

um castelo de sonho,
de muralhas rompidas.

ser e não ter,
viver a morrer,
amar sem viver
é sofrer duas vezes
uma vida perdida...

ouvindoRachmaninoff, piano concerto nº 2, por Yuja Wang
5ªfeira  clarear
Joauim Luís Mendes Gomes



terça-feira, 26 de agosto de 2014

pequenos nadas...

pequenos nadas...

a vida é uma teia imensa
de pequenos nadas.
como aranhas a vamos tecendo.
uma volta em cada dia.

os primeiros,
arquinhos breves.
insignificantes,
muito breves,
mas  tão importantes.

num sítio certo,
ao pé da porta.
sempre presentes,
os pais à vista.

passadinhas curtas.
tudo mirando
de como faziam.
como falavam.
como sorriam.
como sonhavam.
na faina da teia
tão bem teciam.

suas alegrias.
suas tristezas.
seus bons exemplos.
tudo gravado,
me serviu para a vida.

esta manta longa
que ainda estou tecendo,
com as meadas de fio,
linda roca d´oiro,
que eu fui fiando.
da minha velha arca,
onde guardei o linho...

Mafra, 27 de Agoto de 2014
6h34m

está escuro o dia

Joaquim Luís Mendes Gomes

floresta dos desencontros...

floresta dos desencontros...

perdi-me na floresta dos desencontros.
foram tantos os desenganos
que a vida me ofertou.

tantas sendas e tantos escolhos.
tantos ventos me sopraram.
tanta falta de orientação.
informação errada.
tanto travão supérfluo.
falsos ditames
de gente enganada.

morreram de olhos vendados,
sem dar conta
da carga inútil
que carregaram sobre seus ombros.
para nada foi...

É outra e bem diferente
a Lei de Deus...

Mafra, 26 de Agosto de 2014
17h39m
Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

os estreitos...

os estreitos...

depois duma subida sinuosa,
numa via extraída à escarpa,
com o medonho fundo do abismo
sempre em ameaça,

é um alívio e um fulgor
passar um estreito,
onde, parece,
só caber um à vez

e lançar os olhos
na imensidão dum vale,
florido e remansoso,
onde reina a calma
e o nascer do sol.

tudo ficou para trás.
esquecido.
valeu a pena o que se sofreu.

a vida é assim.
tem escarpas e tem ravinas.
bem abundantes e inesperados
são os abismos.

por isso, temos braços,
fortes e abertos
e temos os pés,
a rasar o chão,
um sózinho,
por sua vez
e dois olhos bem abertos
a mostrarem sempre
o melhor carreiro.

aquele que leva seguro
até ao cimo,
onde um estreito,
se abrirá, de par em par,
e nos desvenda
a esperança do futuro
e um nascer de sol em cada dia.

ouvindo Alice Sara Ott ao piano, tocando Grieg

Mafra, 26 de Agsto de 2014
6h1m

o dia está a nascer lento e cinzento

Joaquim Luís Mendes Gomes

domingo, 24 de agosto de 2014

a sorte do dromedário...

sorte do dromedário...

baixou-se ao chão.
alijou a carga bruta e dono.
sacudiu as bossas e as orelhas.

e partiu, como passarão,
esvoaçando livre,
sobre as areias do deserto.

maldisse as horas de escravidão.
calcorreando percursos longos,
não tinham fim.

carregando sal,
em blocos de pedra.
e qual a paga?
um balde de água
e um punhado de erva.
em cada chegada.

agora, era seu o mundo,
a toda a hora.
lhe bastava a liberdade.
não tinha norte.
sua rota leve era o destino.

suas patas eram as asas
que o levariam a todo o lado.

cabeça erguida,
olhando ao longe.
sem o chicote bravo
a bater no lombo.

suas noites longas
seriam um sossego,
a contar estrelas.
lembrando a infância,
quando era menino.

dormiria a sesta,
onde houvesse sombra.
escolheria o oásis
para suas férias.

quão bem risonho
seria o futuro.

passaram dias.
passaram meses.
e uma névoa de sombra,
num crecendo lento,
lhe toldou o céu.

era a tristeza de se ver sózinho,
e não partilhar a sorte
da liberdade...

Mafra, 25 de Agosto de 2014
6h47m

o dia está a clarear...cinzento, mas irá desabrochar em sol


Joaquim Luís Mendes Gomes






sábado, 23 de agosto de 2014

é preciso experimentar...

é preciso experimentar...

descalços os pés no chão.
sentir as pedras picando.
esmurrar os joelhos
e cair de vez em quando.

lavar e voltar a caminhar.
nunca esquecer cada lição
que a vida dá.
manter a fé e ter esperança
no amanhã.

contar só com as forças próprias.
e as de quem nos mantem de pé.
dar a mão a quem dela precise,
aqui ao lado.

pedir desculpa e perdoar
quem foi atingido
ou ofendeu contrito.
sem guardar rancor.

não há ninguém só mau...
e o que for lá terá suas razões.
só Deus as sabe.

nunca falar de cor.
a memória é a faculdade
do esquecimento.

o rio do tempo
tudo lava com suas águas.
enquanto a terra girar connosco,
no vai e vem de cada dia.

Mafra, 24 de Agosto de 2014
6h50m

o dia está clareando envolto numa bruma de cinza

Joaquim Luís Mendes Gomes







iano doirado

meu piano doirado

corri dum lado ao outro,
as teclas todas do meu piano.
procurando uma,
a mais infeliz.

todas me sorriam.
cada uma no seu próprio tom.
desci das mais agudas,
tenrinhos ramos
que enfeitam as copas,
duma árvore com porte.

fui saltitando,
um passarinho com medo
de cair ao chão.

me ajudavam atentas.
com ar contente.

fui descendo.
cada vez mais grosso.
cada vez mais forte.

passei o dó.
pulei ao si.
e fui ao lá.
que me levou ao sol.

peguei em mim,
abracei o mi.
havia tanto
que eu não via.

e vim ao ré.
estava chorando.
ao pé do dó...

perguntei porquê.
- por não ser preta
a sua cor!
era dourado...
sei lá porquê.

ouvindo Lang Lang no concerto piano nº 1 de Franz List

Mafra, 23 de Agosto de 2013
21h18m
Joaquim Luís Mendes Gomes


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

harmonias vitais

harmonias vitais


uma calçada de pedras,
tapetando o caminho,
alinhadas no chão,
conforme seu perfil
e cor,
formando desenhos,
castelos e rios,
regala os olhos,
suaviza as passadas
e fabrica desejos
na alma.

uma dama velada
que passa,
sombrinha aberta,
de seda,
vestes compridas,
tecidas com arte,
cobrindo um corpo,
com formas gentis,
seguindo o passeio,
à moda do século dezoito.

o ar da manhã
dum dia a nascer,
banhado de sol,
subindo no céu,
derramando a vida
que nos faz
correr e sonhar.

uma escola primária,
caiada de branco,
e sombras de árvores,
banhada de luz,
com recreios seguros,
que se abre certinha
e deixa entrar
os meninos da terra
é celeiro de pão,
de paz e progresso.

uma ermida com cruz,
erguida no monte,
exalando orações,
suplicando a bênção
para as gentes e
sementeiras nascentes,
vivendo felizes.

um filhinho que nasce
dum acto de amor,
realizando o sonho
duma vida feliz
e cheia de cor.

aquela árvore vizinha,
à beira da casa,
coberta de verde,
com pássaros cantando,
quado nos viu a nascer.

os abraços e risos,
dos rostos que passam,
à frente da porta,
a caminho da feira,
saudando vizinhos,
como se fossem irmãos...

que quadro de sonho
dum mundo tão lindo,
onde valia viver!..

ouvindo Chopin, o dia a nascer

Mafra, 23 de Agosto de 2014
6h18m
Joaquim Luís Mendes Gomes


alfabeto muical

alfabeto musical

soletro em mim,
todas as notas musicais.
e gasto todas as letras
que tem o alfabeto.

escrevo prosas
e escrevo versos.
sou um rio de notas breves,
a correrem soltas.

oiço acordes lindos
que vêm lá das estrelas.
solfejando hinos
de louvor
ao mesmo Deus
e Criador.

me chegam trovas
dum mundo ignoto
que eu não conhecia,
até ao dia em que a porta se abriu
e eu entrei.

fez-se a luz mo meu pensamento,
e comecei a ver claro
na escuridão.
como nunca eu só
poderia ver.

subi acima.
enxerguei montanhas
e vi colinas.
onde batia o sol
o dia inteiro.

e vi o mar, ao longe,
a adormecer...

as ondas vindo de mansinho
cantando notas
em tom tão fino.

me lancei ao mar perdido
e fui para o alto,
deixando a terra,
onde eu nunca mais
queria morrer...

ouvindo o concerto nº 4 de Beethoven, ao piano, por Hélène Grimaud

Mafra, caindo a noite,
22 de Agosto e 2014
21h05m
Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

cruz alta

cruz alta

cruz alta, erguida,
no cimo dos montes.
olhando em redor,
no silêncio do tempo.

Duas linhas apenas.
uma sobe infinita.
outra abraça sem fim.
ambas derramam a paz.

a vida terrena é finita.
só é infinita no céu.

Mafra, 22 de Agosto de 2014
5h 15m
Joaquim Luís Mendes Gomes

oratório

oratório

há um espaço pequeno,
no cantinho da sala,
ao pé da lareira.

um pequeno altar.
uma campânula redonda, em vidro.
uma imagem escultura,
do Santo Jesus dos milagres.

à volta, os retratos falantes
da minha gente passada.
Uma vela acesa.
queimando saudade
e exalando uma prece constante,
pedindo a bênção
para a casa.


ouvindo "siêncio" de Beethoven ao piano

7momentos, Mafra, 21 de Agosto de 2014
10h25m
Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

farmácia

armácia

cheia de estantes,
caixinhas e frascos,
uma serpente enroscada,
de cabeça esguia e felina.
em volta dum frasco,
no cimo da porta.

uma cruz cintilante,
sempre viva e acesa,
de portas abertas,
aparece nas esquinas
das ruas
em todas as terras.

senhora dos milagres.
semeando a esperança
na morte dos males
que assolam a vida.

mundo das químicas,
que as plantas nos guardam
e dão, em segredo.

Quem delas não gosta?...

Mafra, 21 de Agosto de 2014
7h39m
Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 19 de agosto de 2014

traços vermelhos

traços vermelhos

com traços vermelhos
se desenham perfis,
no firmamento estrelado
e o nome das gentes da terra
que sangram inocentes
na hora que passa.

nunca se viu tanto progresso
e tanta desgraça.
sobra riqueza no bolso de poucos
e falta o pão na mesa de tantos.

a violência mortal
e a maldade feroz
ensanguenta os fracos
pela mão dos mais ricos.
vorazes avaros,
sedentos e cegos.

tanto se estuda,
investiga e se lê.
a terra já não chega,
se avança para o espaço.

a ambição do poder
impera no mundo
não olha a meios.
desafia a lei natural.

quando será que se pára?

só o juizo final
do Senhor do poder!...

noite cerrada. não dá para ver

hotel Ibis, em Santa Maria da Feira
20 de Agosto de 2014
5h24m
Joaquim Luís Mendes Gomes


tarde calma

tatarde calma

tremo gelado
neste cair de tarde calma

as forças desfalecem.
perante esta enorme chuva de felicidade.

mme agasalho com uma manta espessa de silêncio
e oiço o cantar dos passarinhos,
neste bosque delicioso.

sorvo o ar que fervilha em borbotões.

Meus olhos esplandescem.
Como estrelas de alegria

afinal, é bom estar vivo
para viver a vida em abundância.

vermelha como o pôr do sol
sobre este mar calmo
quase dormente.

Irei dormir na paz dos anjos,
porque o céu é mesmo aqui ao lado.

hotel Ibis em Santa Maria da Feira,
19 de Agosto de 2014
29h38m
Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

no fio da navalha

no fio da navalha...

a vida não caminha em estrada larga.
por vezes, avenida formosa e florida.
outras, viela estreita,
sinuosa e escurecida.

deslizando lenta e suave,
em planície.
alcandorando fragas íngremes,
cheias de abismos.

nossa alma caminha nela.
ora cheia. de entusiasmo.
exalando sonho e fantasia.

ora tristonha.
fingindo cara alegre.
bem lá no fundo,
sem alegria.

sem um rumo claro
e um bom plano.
uma bússola, sempre à mão,
o mais certo é extraviar-se
por atalhos atractivos,
sedutores e luzidios,
no final,
são um desastre.

nada pior que a solidão,
por companhia.
se fica fraco.
absorto e uma presa fácil.

partilhar e conviver.
ouvir e dar.
areja a mente
e alimenta a vida.

ninguém tudo.
é no todo que
mora a riqueza.
o que me sobra
faz falta a alguém.

só assim,
tem gosto a vida.
que é sempre bela
e cheia de cor...

ouvindo Mozart, piano concerto, por Valentina Lisitsa

Mafra, 19 de Agosto de 2014
5h16m
.........
ainda escuro...não sei o que vai dar
...................

Joaquim Luís Mendes Gomes

domingo, 17 de agosto de 2014

fato completo

 fato completo


com a linha do meu pensamento,
fiz um grosso novelo,
enrolado às cores.

lancei o tear,
horas a fio.
saíu fazenda tão fina
que deu
para os fatos da casa
e ainda sobrou para oferecer
aos amigos do face,
a seu gosto e medida
e pronto a vestir.

O resto vai de encomenda
para os quatro cantos do mundo.
Basta pedir.

cada um seu feitio.

aqui, um terno,
a preceito.
camisa e gravata.

além, uma túnica,
larga e comprida,
voamdo à solta.

acolá um turbante,
tapando do sol
e da areia escaldante.

Ali, um sari,
de todas as cores,
colado ao corpo,
voando ao vento.

Das sobras e trapos,
teci uma manta,
a estendo no chão
reúno os amigos,
e com vinho e pão
e mais qualquer coisa,
passamos horas alegres,
cantando e sorrindo,
tocamos viola,
há sempre um fadista,
e jogamos às cartas,
madrugadas sem fim...

Mafra, 18 de Agosto de 2014
6h28m
........
já não está negro o céu
.........
Joaquim Luís Mendes Gomes




pisadas na areia...

pisadas na praia


abeirei-me do mar.
para molhar os meus pés.
as ondas suaves
chegavam em bando.
refrescavam-me as pernas
e meu corpo ardendo.

num lume tão brando
enchiam-me o peito,
me faziam sonhar.

minhas passadas molhadas
ficavam esculpidas
na tela da areia.
brilhando ao sol.

minha alma cantava
melopeias de amor.
uma chuva salgada,
caindo do céu.

havia gaivotas em bandos,
pairando contentes,
mirando mais fundo.
procurando alimento
para levar para o ninho.

voltei para casa.
peito tão cheio.
me estendi ao comprido
e fiquei a dormir...

Mafra, 17 de Agoto de 2014
19h19m
Joaquim Luís Mendes Gomes



sábado, 16 de agosto de 2014

transfiguração

Transfiguração...

rasguei o meu corpo
aos pedaços.
como se faz a um palhaço
ou a um boneco de trapos.

ateei-lhes o fogo
ficaram em cinzas.

atirei-as ao vento.
voaram no céu.
veio a chuva.
cairam no chão.
viraram sementes
de vinho e de pão.

foi o melhor que eu fiz.
sacio a fome e a sede.

palhaço ou boneco não sou...

ouvindo Mendelsshn

Mafra, 17 de Agosto de 2014

com o sol a subir

Joaquim Luís Mendes Gomes

tigre enjaulado

tigre na jaula...

espumando de raiva,
dum lado para o outro,
corro incessante,
feito maluco,
à procura da porta.

é tudo igual.
não vejo sinal
de fresta ou cadeado.
tudo cerrado.

olho para o céu.
por onde sair,
está carregado.
estou muito pesado.
um rasto comprido,
faltam-me asas.

só cavando uma cova.
bem funda,
em busca da veia.
o chão é de brita.

não vou desarmar.
o melhor é esperar.
algo aconteça.

um raio de sol.
derreta o arame.
um anjo do céu.
a chave apareça.

não é a primeira.

outras já foram.
piores do que esta.

o vento soprou.
a chama acendeu.
uma fornalha de fogo.
inflamou todo o mundo.

um lago de sonhos.
oceano profundo.
o sinto em mim.
é meu destino.
fera amansada.
carregado de fé.
é de lá que eu venho.
é para lá que eu vou.

ouvindo Brahms

Mafra, 17 de Agosto de 2014
7h9m

amanhecendo com promessas de sol

Joaquim Luís Mendes Gomes
GostoGosto ·  · Promover · 

ondas de vento...

ondas de vento...

adormeço com as ondas do vento,
queme entram docemente,
pelas minhas janelas dentro.

fazem-me sonhar
com outros tempos
e os ventos em tempestade.

os que derrubavam os ramos tenros
e as árvores que os seguravam.

davam lenha.
um regalo caro
que saía grátis.
era só apanhá-los
em grandes braçadas.
ó que regalo vê-los arder secos,
sem deitarem fumo.

e daquelas noitadas quentes,
à volta da lareira,
em família doce.

o avô ao canto,
dormitando alegre
com tanta paz,
vinda dos céus.

aquelas histórias
contadas com tanto ânimo.
dos antepassados
que se foram embora.

tanta saudade ali ardia.
tanta paz caía em cinza
sem faúlhas de maledicência.

brilhavam os olhos.
no rosto dos pais.
e nós pequenos,
fazíamos jogos
do esconde-esconde,
naquele espaço,
um mundo inteiro.

agora o vento
é vendaval.
tudo esfarrapa.
sem escolher a quem.

leva as telhas.
destroi em cacos
os trastes dos pobres.
poupando os ricos.

algo vai mal,
neste mundo sem rosto
onde reina o mal...

Mafra, 16 de Agosto de 2014
19h19m
 ao cair da tarde com sol

Joaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

rampa de lançamento...

Rampa de lançamento...

Abeiro-me, erguido,
em bicos de pés,
de braços abertos,
cada manhã,
e lanço-me à vida,
com tormenta ou bonançosa.

Espero o vento
e deixo-me ir nas suas asas.
por esse mundo.
desço, subo correndo
pelas encostas, pelas fragas.
sobre os abismos.

regalo estes olhos
com as cores
que matizam um quadro,
imenso e rico,
onde peleja a humanidade.

traço rotas nos escaninhos do pensamento.
oceano inesgotável
que banha nossa alma.
onde abundam sonhos lindos
em cardume.

declamo alto os meus versos.
umas vezes ricos,
e muitas, muito pobres.
que me brotam em brasa,
cá de dentro,
com a mensagem
que na hora me ressoa.

Fico orando cheguem sempre
ao sítio certo
e, humilde e grato,
fico à espera de ouvir,
dum só que seja,
um brando eco...

Mafra, 16 de Agosto de 2014
6h31m
Joaquim Luís Mendes Gomes

minhas alegias...

minhas alegrias...

São muitas.
Arremessei ao mar minhas tristezas.
Fiquei leve.
Pesavam em mim.
Pareciam chumbo.

andava de olhar soturno,
preso ao chão.

como um devedor
que não consegue pagar
as suas dívidas.

Fui ao meu passado.
corri todos os meus caminhos,
onde, uma vez ao menos,
eu fui feliz.

desde meus tempos de menino,
até às horas soltas da brincadeira,
no regresso da minha escola.

Quando ia aos ninhos
ou saltava o muro das quintas fidalgas,
onde a fruta era de graça
e era divina.

Aqueles banhos à pai adão,
nas enseadas largas
do nosso rio.

Das guerras à pedra,
onde vencia só
o mais ladino.

Das noras da rega,
que nós enchíamos
e nos levava em voo,
por umas horas.

E as escaladas às arvores mais altas,
tudo a pulso,
até ao cimo.

E das corridas a pé,
a toda a brida...
onde quem ganhava
era um herói.

E, por aí fora,
foram tantas minhas alegrias,
me sobram saudades
do tempo delas...

Mafra, 15 de Agosto de 2014
22h3m
Joaquim Luís Mendes Gomes

espaços vazios...

espaços vazios...

há espaços na nossa alma,
tão vazios,
nenhum oceano imenso
os consegue preencher.

os que o tempo
nos foi levando,
como vento
em tempestade.

só de novo,
os perfumes da primavera,
com flores
ou as cores de outono,
em chama,
e os sabores,
acri-doces
da sua fruta.

nem um mar de ondas,
das pradarias,
alegrarão
os nossos olhos.

e suas brisas breves
suavizarão
as nossas lágrimas.

só o regaço quente e terno
da nossa Mãe
seria capaz de os saciar.

agora, só a sua bênção
lá dos céus,
será o consolo,
adequado e puro
para que esta vida
nos continue a fazer sonhar...

Mafra, 15 de Agosto de 2014
14h00

Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

é preciso parar...

É preciso parar...

Se caio em mim,
de olhos fechados
e olho para trás,

ó que aridez.
ó que vazio.
ó que deserto!...

Esquadrinho o mar e suas águas,
só encontro algas,
e ondas meigas que me banham os pés.

me lanço ao rio
e vêm os cardumes,
em correria,
para me abraçarem.

me elevo ao ar,
num balão de fogo.

fico pasmado
com a terra leve
que voa lá em baixo.

se caio em mim,
de olhos fechados,
e olho para trás,

ó que aridez.
ó que vazio.
ó que deserto!...

ouvindo sonata nº 2 "moonlight" ao piano de Beethoven por Valentina Lisitsa

amanhecendo, com um ténue e brando céu de nácar

Mafra, 15 de Agosto de 2014
6h47m
Joaquim Luís Mendes Gomes

até ao fim do mundo...

Até ao fim do mundo...

Irei até ao fim do mundo
para ver reinar
a felicidade total,
num paraíso tal,
como imagino.

Onde o sol nasça
e brilhe igual
para todas as casas.

Onde o mar dê peixe de sobra
a todas as bocas.

E a terra dê pão e vinho
que cheguem para todo o ano.

Onde não haja secas
nem ciclones mortais,
nem tsunamis.


Que cada um cresça
segundo os dotes
que lhe deu a Natureza.

Se for artista em qualquer arte,
sua obra fique brilhando
e alimente a alma sedenta
de quem quer ser
sem o poder.

Se for cantor,
sua voz ressoe canções
tão lindas...
até os anjos desçam
para as escutar.

Se for actor, de palco,
ou de cinema,
simples fotógrafo
ou retratista,
seus passos e seu olhar
sejam certos
e tão reais
como a vida o é
para quem a vive.

E minha alma volte
acesa em brasa
e ateie chamas
por todo o mundo
com o amor divino
que lá reina,
em estado puro.

ouvindo concerto para piano de Grieg
 a partir do youtube, por Alice Sara Ott


 Mafra, 14 d Agosto de 2014
21h57m
Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Ave Maria...

Ave Maria...

Ave Maria das naus e caravelas
das nuvens no céu
e das estrelas.
Dos mares e continentes
que enchem esta Terra.

Sois mais bela que as estrelas
e todo o firmamento
que é tão belo.

Deste vida terrena ao Criador..,
Como mulher és Rainha
no Reino eterno do Senhor.

ouvindo Ave Maria de Schubert, por Lang Lang

madrugada a abrir em flor

Mafra, 14 de Agosto de 2014
5h54m
Joaquim Luís Mendes Gomes

grândola, vila morena...

Grândola, vila morena...
Acabamos de chegar do almoço em Grândola. Verdadeiramente, uma vila morena e terra de fraternidade. Aliás como todas as vilas alentejanas.
Têm todas o mesmo figurino. Suas casas baixinhas, de paredes brancas afitadas,ao longo das ruas esquadrinhadas, sempre com um renque de árvores de sombra e carregadas de flores, no tempo delas.
Ao centro, um lindo jardim, muito bem cuidado, cheio de bancos e estâncias, para o convívio .De novos e anciãos.
Uma casa de repouso a sério para os reformados, erecta pela solidariedade local, através duma associação de reformados, levada a sério.
E muitas casas de repasto. Primoroso no seu cozinhar alentejano.
Fomos ao do costume." A Coutada".
Íamos om a dúvida sobre se hoje estaria fechado. Mas não. Estava em pleno funcionamento.
Fomos os primeiros clientes a entrar na sala. O rapaz começou então a abrir as luzes nos candelabros.
Uma sala airosa. Fresca.
Veio a ementa. Meus olhos devem ter faiscado. Quando deram com o " cozido" na ementa.
Me lembrava do último há uns bons meses.
Chegou a travessa.
Não vos digo nada.
Começámos a debicá-lo. Religiosamente. fazendo-o render o mais possível.
Impossível encontrar-se outro melhor...Sério!
.
Em sabor. Qualidade das carnes, das hortaliças...Uma variedade rica. Um verdadeiro primor.
E o vinho tinto da casa. Em cantarinha!?......
Só indo lá...e ver...
O preço. Nem vos digo. Escandalizava-vos. Muito em conta.
Às quartas-feiras...de vez em quando, lá estaremos de novo.
Porque, só com poesia, a coisa não vai...

tringulo das bermudas^...

triângulo das bermudas...

nossa vida breve 
é um oceano extenso,
muito agitado,
ondas, ventos e ciclones.

Por vezes, um lago manso.
com muito verde à volta,
ondinhas doces,
e cisnes brancos.

Nosso barco, de remos frágeis,
uma casquinha de ovo,
se perde o leme,
fica à deriva,
ao sabor dos ventos,
das correntes fortes.

Sopram inclementes.
caem do céu.
emergem dos fundos.
se envolvem em nós,
como serpentes,
ficamos em pânico.
tudo perdido.
o fim do mundo.
em pouco tempo.

mas, é nesses instantes,
que a pequenês
nos fala claro
da dimensão
que temos.

nos indica
as amarras fortes.

que nosso horizonte
está muito para lá do mar...
vai da terra até ao Céu.

ouvindo gaita dos andes RTL novos talentos - Petruta Cecília Krupper

nasceu o dia com laivos de sol

Mafra, 13 de Agosto de 2014
6h39m
Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

inquietações...

inquietações...


Oiço água a cair do céu,
Como se fosse chuva.
E não é.

Olho o chão
E os campos da frente
Ao perto e ao longe.
Está tudo seco.
Com pó.
Como se fosse
Um deserto e verão.

Fico perplexo.
Duvido de mim.
Há avaria cá dentro,
Da grossa,
Por certo.

Carrego nas pernas
Dou pontapés.
A ver se está tudo igual.
E está.

Abro a porta.
Saio à rua.
Sensação tão estranha.
Nem quente nem fria.
Não corre uma aragem.
Não se ouve um ruído.
Um chilreio de ave.
As pedras paradas.
Não há uma folha que mexa.

Minha pele arrepia.
Falta-me o ar.
Meu tronco arfa e arqueia.
Contorce.

Queria ver gente.
Ver vida a pulsar.
Um desacato até.

Não sirvo para nada
E este mundo também.
Se me sinto sózinho.

Parece a guerra
Ou a morte que vem.
Oxalá eu esteja a sonhar...

Mafra, 12 de Agosto de 2014
6h50m
amanhecer luminoso com nuvens correndo do mar
Joaquim Luís Mendes Gomes

traves...

As traves...

Hirtas. Teimosas.
Fincam-se ao chão.
Se erguem no ar.
Desafiam o tempo
e seguram as casas.

Ora são mestras.
Ora empregadas.
Servem de pontes.
Sobem escadas.

São alavancas.
À força dos bois.
Puxam as noras.
Regam as terras.

No cimo das torres,
Aguentam os sinos.
Nas procissões,
Carregam andores.

Puxam os barcos,
Ferrando as águas,
À força dos remos.

Mastros ao vento,
Seguram as velas.
Caravelas no mar.
Correm o mundo.

Pedaços de troncos
Que a terra criou.
Cortaram-lhe os ramos.
Se mantêm de pé.

Mafra, 11 de Agosto de 2014
7h12m
nasceu o dia
Joaquim Luís Mendes Gomes.

velas rasgadas...

velas rasgadas...


Trago dentro de mim
Um deserto de areia queimada.
Ardendo de raiva,
Moída na tineira do sol.

Me atiro as feras
E as mordo assanhado,
Com vontade mortal.

Ponho em mim todas as forças da terra
Que brotam cá dentro.

Dá-me vontade de quebrar tudo
E fugir para o egipto.


Onde nem as pirâmides morreram,
Regadas de sol.

Pareço um fantasma esquecido,
Parado no tempo.

Minhas velas rasgaram,
Caíram ao mar.

Nada mais espero deste mundo finito.
Inundado de mal.

Me atiro para as nuvens.
Me transportem ao céu...

ouvindo Rachmaninov, concerto nº 3

"setemomentos", Mafra, 11 de Agosto de 2014

10h6m
Joaquim Luis Mendes Gomes
 



domingo, 10 de agosto de 2014

as minhas mãos...

Minhas mãos..

São cegas as minhas mãos.
Só sabem fazer bonecos e gatafunhos.
Metidas consigo.
Só ligam aos dedos.

Desprezam as mensagens
Que vêm da alma.

Entram pelos olhos,
Como buracos negros,

Desprezam o sol e a luz
E todas as cores lindas
Da Natureza.

São surdas.Como duas pedras.
Não ouvem os passarinhos
Nem o marulhar lento
Do mar cansado.

Não choram
Nem vertem lágrimas.
São dois rochedos
Que enfurecem e metem medo.

Têm ciúmes dos pés
Que andam no chão,
Tão cordatos e submissos
À voz do dono.
E elas não.

São moedas de duas faces,
Uma trabalha, cria calos,
Uma meiga.
A outra é falsa.
Só dá para o beija-mão.

Mas gosto delas.
São as penas das minhas asas.

Levam-me à boca
A colher da sopa
E do caldo verde.

Cuidam de mim.
Seguram-me à escada
Não me deixam cair.

Lavam-me o corpo
E coçam as costas.
Aparam-me a barba.

Ficam ferozes,
Com ameaças.

São carinhosas,
Para com a atenção.
São muito gratas.

São companheiras.
Escrevem-me as cartas.
Ditam meus versos.
Tocam piano.
E jogam à bisca.

Põem em brasa
E levam-me aos lábios
O cachimbo da paz.

Mafra, 11 de Agosto de 2014
6h12m
um amanhecer cinzento

Joaquim Luís Mendes Gomes




Minhas mãos..

São cegas as minhas mãos.
Só sabem fazer bonecos e gatafunhos.
Metidas consigo.
Só ligam aos dedos.

Desprezam as mensagens
Que vêm da alma.

Entram pelos olhos,
Como buracos negros,

Desprezam o sol e a luz
E todas as cores lindas
Da Natureza.

São surdas.Como duas pedras.
Não ouvem os passarinhos
Nem o marulhar lento
Do mar cansado.

Não choram
Nem vertem lágrimas.
São dois rochedos
Que enfurecem e metem medo.

Têm ciúmes dos pés
Que andam no chão,
Tão cordatos e submissos
À voz do dono.
E elas não.

São moedas de duas faces,
Uma trabalha, cria calos,
Uma meiga.
A outra é falsa.
Só dá para o beija-mão.

Mas gosto delas.
São as penas das minhas asas.

Levam-me à boca
A colher da sopa
E do caldo verde.

Cuidam de mim.
Seguram-me à escada
Não me deixam cair.

Lavam-me o corpo
E coçam as costas.
Aparam-me a barba.

Ficam ferozes,
Com ameaças.

São carinhosas,
Para com a atenção.
São muito gratas.

São companheiras.
Escrevem-me as cartas.
Ditam meus versos.
Tocam piano.
E jogam à bisca.

Põem em brasa
E levam-me aos lábios
O cachimbo da paz.

Mafra, 11 de Agosto de 2014
6h12m
um amanhecer cinzento

Joaquim Luís Mendes Gomes





















debaixo duma pedra...

debaixo duma pedra...

havia uma pedra angulosa,
cerca de minha casa.

sempre a vi ali.
inerte e morta.

passava sobre ela.
e até me sentava.

era só pedra.

um dia, levantei-a.

encontrei uma toca.
com meia dúzia de ovos.

fiquei intrigado.
de que seriam?

voltei a baixá-la
e fiquei à coca.

dias depois, ao nascer do dia,
o sol abria.

ali à volta,
uma meia dúzia de chascos,
muito novinhos,
se bamboleava,
cantarolando,
debicando o chão.

em grande festa.
alheio ao perigo.

um a um, peguei em todos.
fui guardá-los numa gaiola.
cuidei deles.

foram crescendo,
pareciam felizes,
batiam as asitas
queriam voar.

abri-lhes a porta.
levantaram voo.
sempre por perto.

a noite veio.
eles não.

no dia seguinte,
ao amanhecer,
fiquei à espera.

eis que da toca,
um a um, sairam
e ficaram voando,
por ali às voltas.
ao pé da gaiola.

abri-lhes a porta.

um a um, entraram.
comeram o que havia
e depois sairam...

nunca mais voltaram.

Mafra, 10 de Agosto de 2014
Tarde de sol
Joaquim Luís Mendes Gomes




por 25 tostões...

Por vinte e cinco tostões...



Tenho escondido na minha biblioteca,
Um livrinho, de capas pretas,
Velhinho.

Comprei-o, há muito,
Naquela casinha baixinha,
Ao lado da Santa.

É de orações.
Pedaços de missa.
A Salvé Rainha.
Oração tão bonita.
Nunca mais a esqueci.

Custou vinte cinco tostões.
Que eu encontrei,
Perdidos no chão,
Embrulhados num lenço.
D'algum pedinte mendigo,
No centro da vila.

Só Deus sabe quem foi...

"setemomentos", Mafra, 10 de Agosto de 2014
9h9m
Joaquim Luís Mendes Gomes



sexta-feira, 8 de agosto de 2014

camisa de flanela...

camisa de flanela...

Nao sei porquê.
Sinto-me fascinado
Pelas camisas de flanela.

Aquelas que os poveiros,
Pescadores de voz roufenha,
Usavam, quando me davam banho,
Pelas sete horas de cada manhã.

Eram em xadrês.
Um tecido espesso,
Parecia lã.

Aquele abraço quente,
Depois do mergulho,
Contra um peito possante,
A entregar-me à Mãe.

Aquela voz rouca
Que me consolava
Da pequenina maldade
Que me tinham feito,
Talvez sejam a razão
De gostar tanto delas.

Por me sentir o centro
Das atenções do mundo.
A quem, menino tenro,
A tremer gelado,
Mesmo sem ser poveiro,
Eu já queria tanto...

Do que me fui lembrar.
Nesta manhã de Agosto,
Daquele tempo tão lindo,
Em que íamos para a Póvoa,
Onde havia o mar!...


Mafra, 9 de Agosto de 2014
7h4m
Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

lareiras...

Clareiras...

Volta e meia,
no meio dos negrumes,
A vida dá-nos uma clareira.

Deixa ver o céu.
Sem nuvens.
Tão azul como o mar.

Apetece voar por ele.
E dar a volta ao mundo.

Ver como falam
E vivem outras gentes.

Como palmilham esta terra.
Suas casas. Seus anseios.

Se olham o futuro verde
e têm saudade do passado.
Vivem numa clareira.

Ou, pelo contrário,
tudo maldizem.
Têm negrumes
como nós.

Como foi a sua história.
Suas páginas de glória.
Ou de sangue e luta
como foi a nossa.

Hordas bárbaras, irrequietas.
Como vagas sanguinolentas,
Varrendo a Europa inteira,
De leste a oeste.
Corsários selvagens do alto mar.

Com Idade média
E idade moderna.

Ora orando,
Ora estudando.
Do que somos
e para onde vamos.


Enchendo os campos de muralhas.
Erguendo ao alto as catedrais.
Fabricando carros e aviões.

Em vez das sendas calmas,
Pelos montes,
De enxada ao ombro,
Colhendo o pão.
De cada dia.

Numa terra imensa
que é redonda,
Um terço em terra,
o resto em mar.
Que anda perdida
no universo,
Azul bolhinha de sabão,
Com clareiras, cheias de cores...


Mafra, 8 de Agosto de 2014
6h19m
Joaquim Luís Mendes Gomes

fascinação dos velhos...

a fascinação dos velhos...

para onde vá há velhos.
que foram novos,
há bem pouco tempo.

bem me lembo. sou um deles.
não uso bengala.
não sobram as minhas forças.
e os ossos me rangem ocultos.

não uso bengala.
minhas rugas são as fendas
por onde se esgotou
a juventude.

uso óculos de ver ao perto.
e oiço bem.
no resto, sou igual a eles.

meus olhos brilham
de tanto encanto.
reparo em tudo
que os novos não vêm.

crianças sorriem.
parecem estrelas.
as flores silvestres
me falam de si.

subo escadas,
a algum custo
e dou a mão
a quem me pede ajuda.


e conto histórias
aos meus netinhos.
em troca de beijos.
me calam fundo.

me estendo na cama,
ao cair da noite.
rezo pelas alminhas
do purgatório.

sonho com anjos.
como uma criança.
ao raiar da aurora,
desperto para a vida.
enquanto as forças
não disserem não.

bendita a sorte
de chegar a velho.
sou tão sábio
como nunca fui.

roda da vida
que nunca mais pára.
graças a Deus!...

Mafra, 7 de Agosto de 2014
20h23m
Joaquim Luís Mendes Gomes

ao contrário...

de trás para a frente...

Por vezes, a vida erra o sentdo.
tudo sai errado.

Mais vale fechar os olhos.

Fingir que vai tudo bem.
Fazer de conta.
Deixar andar

À espera que tudo acerte

Com gente tola
Ninguém se meta.

Contornar é a estatégia certa.

Tudo muda.
Até a sorte.
Anda de roda.

Toca a todos.
Às vezes, não.
E também se cansa.

Só vencem os espertos...

Mafra, 7 de Agosto de 2014
15h0m

Joaquim Luís Mendes Gomes

fascinação dos velhos...

de trás para a frente...

Por vezes, a vida erra o sentdo.
tudo sai errado.

Mais vale fechar os olhos.

Fingir que vai tudo bem.
Fazer de conta.
Deixar andar

À espera que tudo acerte

Com gente tola
Ninguém se meta.

Contornar é a estatégia certa.

Tudo muda.
Até a sorte.
Anda de roda.

Toca a todos.
Às vezes, não.
E também se cansa.

Só vencem os espertos...

Mafra, 7 de Agosto de 2014
15h0m

Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 5 de agosto de 2014

ao cair da tarde...

Ao cair da tarde...

Fui deitar-me à beira do rio.
Estendi a manta.
Fiquei absorto a olhar.
Ouvindo o marulhar da água.
As aves cansadas.
Juntando a família.
Para se irem deitar.

As árvores bailando,
Com o vibrar da brisa.
Ouvindo os galos.
Perdidos na aldeia.

Os sinos plangentes,
Cantando as trindades.
Os lavradores, camisas suadas,
Carregando as enxadas,
Com que cavaram o pão.

As noras tangidas pelos bois,
Rangendo os dentes.
Regando a terra.

O sol se deitando,
Com as asas partidas.
Soltando gemidos,
Esperando o luar.

As chaminés soltando volutas,
Enchendo as nuvens,
Com fumo saindo.

Benditas as horas
Duma tarde tão calma,
Que eu vivo deitado.
Sonhando e revendo.

Sossego minhas pernas,
Meus braços cansados.
Meu peito arfando,
Irradiando calor.
E fico pensando.
Como é bom
Viver numa aldeia,
Onde as horas são gotas
Dum rio correndo.

Tarde de sol...

Mafra, 5 de Agosto de 2014
20h28m

Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

espinhos...

Espinhos…

Se a sardinha não tivesse espinhas,

O que valia.

Mesmo assada.

E, se a estrada

Que nos transporta distante,

Fosse uma recta,

Sem subida

E sem curvas.

- Que seca seria!

E, se a vida fosse mais doce

Que uma geleia,

Fosse que fosse a fruta.

  • Uma compota ou gelatina!

E se na tropa a valer,

Só houvesse generais,

Como seria a parada?

Uma pobreza.

Uma derrota!

A vida sem espinhos…

Perde o sentido.

  • Dá gosto tirá-los.

O dia nasceu cinzento…

Mafra, 5 de Agoto de 2014

7h40m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

 

 

a última flor...

A última flor…

Não vou colher a última flor

Do meu jardim.

Quero vê-la cada manhã,

Ao nascer do sol.

Rever nela, as centenas de outras

Que ali cresceram

E brilharam,

Regalando os olhos

De quem passava

À minha porta.

É nas coisas mais simples

Que a natureza se impõe.

Não é com coisas grandes,

Muito complicadas,

Que a vaidade cria.

Essas estiolam.

Se estilhaçam no chão,

Se reduzem a lixo

E cheiram mal.

A pureza, só na água da fonte,

Que nasce das rochas.

O perfume não surge das químicas.

Por mais apuradas.

Brota das pétalas

Dum jardim florido.

A beleza mora nos olhos,

O espelho da alma.

Mafra, 4 de Agosto de 2014

18h22m

tarde soalheira de praia

Joaquim Luís Mendes Gomes



via láctea...

Via Láctea…

Gostava de sair da Terra

E ir morar na Via Láctea.

Onde mora o São Tiago.

É outro mundo.

De muita paz,

Iluminado.

Sempre em festa.

Com muitas estrelas,

Rainhas belas,

De diadema,

Bem adornadas.

Outros sóis

Acendem o mundo.

Avenidas largas,

Sem nenhum trânsito,

Limpas de fumo.

Sem polícias

A darem multas.

Sem acidentes

E ambulâncias.

Sem as scuts…

Há um anjo a servir de guia.

Nos transporta gratis

E sorridente,

A toda a parte,

A qualquer hora.

Sempre presente.

Não há pontes

E não há rios.

Não há chuva e não há neve.

Onde os anos não têm dias.

Não há têvês,

Nem telejornais.

Não há guerras.

Sem tiranos a governar.

Porque o dinheiro

Nunca existiu.

É só um sonho!…

É a via da eternidade…



Mafra, 4 de Julho de 2014

8h2m

nasceu com sol a raiar…

Joaquim Luís Mendes Gomes

domingo, 3 de agosto de 2014

minha fuga...

Minha fuga…

Vou fugir para a rua,

Esperar a hora que vem

E que passa.

Não levo lanterna.

Não levo candeia.

Só estes olhos atentos

E uma alma sedenta

E com fome,

De harmonia e de paz.

Que na solidão não há.

Quero sorrir e sentir,

No fundo dos olhos,

Sorrisos escondidos

Que tardam a abrir.

Sentir o calor de quem vai

E quem vem.

Ouvir dos seus sonhos,

Seus males também.

Aprender com os outros

O que não aprendi com ninguém.

Não procuro miragens.

Na terra ou no ar.

Quero sentir as pisadas

De cada passo que der.

Quero agitar águas paradas,

Lançando pedradas,

Se for necessário.

Sempre por bem.

E ver com meus olhos

O que pensam de mim.



Quero regressar mais rico e sereno.

Porque, da minha fuga,

Alguma coisa mudou

Para melhor.

Mafra, 3 de Agosto de 2014

17h47m

com o sol a brilhar

Joaquim Luís Mendes Gomes

lampejos do silêncio...

Lampejos no silêncio…

É no silêncio do interior

Que reverdescem as ideias lindas.

Como lampejos a sorrirem.

Vêm de longe.

Das profundezas de nós mesmos.

Um mar imenso, tecido de ondas.

Encadeadas.

Como elos.

Umas mansas. Outras bravas.

Nos dão tendências.

Formas de ser.

O nosso molde.

A nossa marca.

São gostos.

Reminiscências.

Terras já vistas.

Onde e quando.

Ninguém sabe dizer.

  • Deste eu gosto…
  • Daquele não.
  • Porque será?…

Olhos castanhos. Esverdeados.

Cabelos negros corridos.

Como veias de água

Duma fonte distante.

Aquele sorriso aberto.

Sempre presente.

Uma casa cheia.

Vem do passado.

Um punhado de tudo

Nos enche o ser.

Donde vivemos a cada instante.

É a nossa cor.

Nossa maneira de estar.

Grande mistério.

O mar do amor…

Mafra, 3 de Agosto de 2014

7h00

dia cinzento

Joaquim Luís Mendes Gomes