quinta-feira, 31 de outubro de 2013

euromilhões...

O euromilhões...

Com um euromilhões gordo,
Eu compraria tudo
O que não tenho.
O que me faz falta
 E o que não faz.

Umpalacete de vidro,
Com piscina
E court de ténis.

Daria uma festa de arromba.
Com champanhe
E vinho bem.

Chamaria uma grande orquestra,
A noite seria bela.

No fim, ficaria só
E os meus milhões.

Nunca mais pregaria olho
A vigiar aquele baú.
Contrataria a segurança.
E sempre alerta,
D’ouvidos atentos,
Tremeria de pavor,
Se ouvisse um rato,
A correr no sótão.
Convencido de que era um ladrão.

Encheria o meu jardim
De cães ferozes...
Ergueria um muro de pedra,
A toda a volta,
Fechar-me-ia sempre em casa,
Escolheria bem os meus criados.
E, ao mais pequeno sinal,
Correria com eles,
Duma só vez.

E, no fim de tudo, quando morrer,
Porque a morte,
Ninguém a troca,
Desceria na cova funda,
Vestido de cetim rendado,
Quilogramas de ouro,
Mas de corpo gelado,
E olhos fechados,
Sem os saber abrir.

Mais vale assim.
Ter só o que tenho
E viver em paz...
Não há euromilhões que a dê...

Mafra, 31 de Outubro de 2013
19h22m

Joaquim Luís Mendes Gomes

meu fato novo...

Meu fato novo...

Mandei fazer um fato novo.
À minha justa medida.
Da melhor fazenda.
Meteu primeira e segunda prova.
Um terno azul.
Como a festa merecia.

Uma camisa celeste
E uma gravata em seda.
Com uns laivos d’oiro.

Uns sapatos pretos
De verniz em chama.

Quando chegou o dia,
Rebentou a guerra
E eu fui chamado.
Com jeep à espera...
Só tive tempo de o guardar na arca...
Podia ser que um dia
Eu repetisse a festa!...

Ainda hoje ele está na arca,
Mas já não me serve...

Mafra, 31 de Outubro de 2013
19h59m
Joaquim Luís Mendes Gomes


as bruxas com asas de anjo...

As bruxas com asas de anjo...

Quem não vê aqui e ali...
Tão disfarçadas.
Apesar da vassoura
Que escondem nas suas vestes?...

Cantam suaves,
Como sereias.
Mas, ocultas,
Trazem enredos
Que nos enleiam,
De arrepiar.

Fujam delas.
Como serpentes.
Atirem-nas ao rio...
Não sabem nadar.

Só espalham o mal
Que é o seu pão.
Morrem de inveja.
Renascem das cinzas,
Andam à solta.
Piores que abutres,
Só sabem matar.
E ficam a rir...
São filhas do demo.
Só sabem ferir.

Abraenuntiant...satanás!
Vão para o inferno!...

Mafra, 31 de Outubro de 2013
14h45m
Joaquim Luís Mendes Gomes



oração ao Sol...

Bom, belo e bonito
É o que peço à Luz suprema
Que ilumina o sol
E aquece a terra
E este meu verso.
Cada letra e cada palavra
Seja a pedra exacta e certa,
Para erguer a tua casa
E ladrilhar
O caminho
Que entra nela.

Seja alta, bela
E acolhedora
Onde caibam bem
Os teus amigos.
Nunca lhe fale o pão à mesa
E uma lareira acesa
De amor em brasa.

Seja um lar ridente,
Exposto ao sol,
Com um jardim de cor
À frente.

Cada visita venha e entre,
Se sinta em casa,
Como um dos teus,
Oxalá, para todo sempre.


Mafra, 31 de Outubro de 2013
7h50m

Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

algemas da madrugada...

Algemas da madrugada...

Saí cedo, de manhazinha,
Depois uma noite negra e seca
De insónia,
Soltei minhas algemas
E pus-me em marcha.

Olhos acesos
E braços bem abertos.
Para abraçar a vida
Sob qualquer forma extrema
Que me viesse à mão.

Aves do céu.
Vermes da terra.
Qualquer folhinha morta
Ou tenrinho ramo.

Tudo me servia
Para me matar a sede
E me confortar do mal.

Logo numa encosta verde,
Achei um rebanho,
Com seu guarda à espreita.
Dei-lhe o meu bom dia
E uma chuva terna
Se desprendeu do rosto
Tisnado e puro.
Que me inundou a alma.

Foi tal o enlevo.
Tudo eu esqueci...
E, de novo, um radioso sol
Me aqueceu de esperança
E me fez sorrir.
E pôs a cantar.

Estes versos quentes
Que aqui e agora
Vos quero dar.

Mafra, 30 de Outubro de 2013
21h25m
Joaquim Luís Mendes Gomes
.



algemas da madrugada...

Algemas da madrugada...

Saí cedo, de manhazinha,
Depois uma noite negra e seca
De insónia,
Soltei minhas algemas
E pus-me em marcha.

Olhos acesos
E braços bem abertos.
Para abraçar a vida
Sob qualquer forma extrema
Que me viesse à mão.

Aves do céu.
Vermes da terra.
Qualquer folhinha morta
Ou tenrinho ramo.

Tudo me servia
Para me matar a sede
E me confortar do mal.

Logo numa encosta verde,
Achei um rebanho,
Com seu guarda à espreita.
Dei-lhe o meu bom dia
E uma chuva terna
Se desprendeu do rosto
Tisnado e puro.
Que me inundou a alma.

Foi tal o enlevo.
Tudo eu esqueci...
E, de novo, um radioso sol
Me aqueceu de esperança
E me fez sorrir.
E pôs a cantar.

Estes versos quentes
Que aqui e agora
Vos quero dar.

ouvindo il Divo

Mafra, 30 de Outubro de 2013
21h25m
Joaquim Luís Mendes Gomes
.



terça-feira, 29 de outubro de 2013

os vasos da minha sacada...

Os vasos da minha sacada

São o meu encanto
De cada momento.
Inverno e verão.
Sózinho ou com gente.
Triste ou contente.
À beira do mar.

Quando regresso a csas
E lhes dou de beber,
Parecem sorrir.
Sem nada cobrar.

Ponho-lhes música,
De Mozart e Vivaldi.
Dançam comigo,
Bailando ao vento,
Que sopra do mar.

Se os ponho ao sol,
Ficam alegres,
Garridos,
De faces coradas,
Parecem crianças,
No recreio a brincar.

Se me vêm mais triste
Ou cansado,
Ficam tão tristes,
Parecem chorar.

Quando me vêm sair,
Dizem-me adeus.
Com tanta ternura,
Não sei se hei-de ir,
Ou se hei-de ficar.

E quando lá longe,
Em Berlim,
À beira dos netos,
Sinto tantas saudades,
Como se fosse um jardim.

Mafra, 29 de Outubro de 2013
15h14m
Joaquim Luís Mendes Gomes




porque é que os cegos sorriem tanto?....

Porque sorriem tanto os cegos?...


Nossos olhos são traiçoeiros,
Quando olham uma pessoa.
Perscrutam fundo,
Com seus fantasmas,
Todas as linhas,
Todos os pontos
E erram as contas,
Perdem o tino,
Porque somam aos dela,
Os que vêm dentro...

Daí nasce o medo.
A rejeição.
O cerrar sobrolho,
Enrugar a testa,
Fechar sorriso,
Como ameias de pedra,
Porque ali há perigo...

E é tudo falso.
A maior das vezes.

Porque será
Que os cegos
Sorriem tanto?...

Mafra, no Café “Castelão”, 29 de Outubro de 2013
10h3m

Joaquim Luís Mendes Gomes

força do silêncio...

A força ingente do silêncio...

É nas profundezas dum leito,
Como o do Amazonas,
Que o caudal em marcha,
Corre, alarga em mar
E inunda de vida,
Um continente inteiro
E até a terra, como seu alfobre...

Não são precisos grandes discursos,
Inflamados em alta voz,
O que importa é a verdade
E essa reluz nos olhos,
Com amor, silêncio e paz.
Porque vem do coração.

Quando passa um avião,
Rugindo em fumo,
Sobre o chão da terra,
Sonolenta e verdejante,
Engalanada de arvoredo,
Todos os seres vivos se espantam...
Uns de susto...outros de medo.
Ninguém espera nada de bom
Daquele barulho cego
E seco...
Porque a vida bela e sã
Só cresce em paz.

Ouvindo grandes temas

Mafra, 29 de Outubro de 2013
7h3m

Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

fazia luar...

Na barroca funda...fazia luar

Pela calada da madrugada,
Peguei nas minhas agulhas finas
Num longo carrinho de arame
E pus-me a fiar uma armadilha,
Num caminho ermo,
Na barroca funda,
Onde aparecia o diabo.

Atei uma ponta a um ramo firme,
Um de cada lado,
E pus-me em acção.

Dei tantas voltas,
Com tanta firmeza,
E uma rede enorme,
Ali ficou montada.

Pus-me num canto à espera.

Às tantas, ouvi tamancos ao longe,
Em passadas de ferro.
Era um cavador,
De enxada às costas.
Senti pena e fui-lhe ao encontro.

Que se fosse embora,
Por outro caminho.
- Então porquê?
- É para seu bem.
Ele acreditou e voltou para trás.

Continuei à espera.

De novo, vieram passos.
Desta vez o cura.
Com batina preta.

 Corri para ele.
- Onde vai, ó senhor cura, a uma hora destas?
Envergonhado, sei lá porquê,
Fez-se esquecido.
E voltou embora.

A seguir, veio um moleiro.
Grande jumenta,
Carregado de sacas.
Era o Zé do moinho.

Fui ter com ele.

- Onde vai, senhor José,
Pela madrugada?
- Vou para o moinho
E mais esta besta.

Chamei-o ao lado.
- Vá por aqui,
Se não é o diabo.
Ele anda por aqui, à solta!...

Com tanto medo,
- Sempre é verdade!...
Zarpou para trás.

Até que, às tantas,
- Fazia luar-

Os dois ladrões,
Bem conhecidos,
O terror do povo,
Aí vinham eles,
Muito perigosos,
Usavam faca,
Da sua faina.

Escondi-me na sombra.
Com minha arma de fogo.

Foi tal o pavor
Quando se viram presos,
Sem saber por quê,
Caíram ao chão
E eu dei um tiro.
Para os assustar.

Remédio santo.

Puseram-se em fuga,
Chamando a mãe...
Nunca mais se viram
A passar por ali...
Na barroca funda
Que era um pavor!...

 Mafra, 28 de Outubro de 2013
20h50m
Joaquim Luís Mendes Gomes


mensagens da madrugada...

Mensagens da madrugada...

Depois duma longa viagem,
Pelas alamedas estreladas,
Serena e bela,
Em esplendor,
Acompanhando a lua,
À volta da terra,

Abriu-se a janela de mais um dia,
Oxalá fosse de alegria e festa.
Com o calor e brilho
Dum sol em glória.

Tantas histórias lindas,
Trouxe comigo,
Para partilhar a quem
Ficou por cá,
À minha espera
E as queira ouvir.

Irei de porta a porta,
Noutra romagem,
Ao seu encontro,

E para cada um,
Deixarei um verso lindo,
Em letras douradas,
Num postal de sonho,
Com a mensagem,
Se me abrir a porta...

Ouvindo Yruma ao seu piano

Mafra, 28 de Outubro de 2013
8h6m
Joaquim Luís Mendes Gomes







domingo, 27 de outubro de 2013

voltei de Porto Covo...

Voltei do Porto Covo.
Consolado de tanta beleza.
Vi uma vez mais
Um mar profundo,
Imenso e azul
Como o céu que o cobria.

Maravilhado com aquele idílio,
De amor
Entre a terra de garras de pedra,
Abraçando as ondas
Em estertor vulcânico.

Ouvi ais e lagidos lânguidos.
Sussurros de amor
Que vinham no vento.
Dormindo na praia.
O tempo parou...

Lavei minha alma
De todas as mágoas,
Na espuma das ondas.
Perdi-me a sonhar
Sem querer partir.
Senti-me feliz
Uma vez mais,
Como da outra vez.
Que eu já esquecera.
Hei-de voltar...

Mafra, 27 de Outubro de 2013
22h15m

Joaquim Luís Mendes Gomes

sábado, 26 de outubro de 2013

de Porto Covo a Sines...

De Porto Covo a Sines...

Saímos os três,
Minha mulher,
Meu filho e eu,
De PortoCovo
Até Sines.
Pela noite escura.

Por uma estrada negra e sinuosa,
A borda-do-mar.

Dum lado,
O ermo preto, medonho
E solitário.

Do outro o mar,
De águas caladas,
Espelhando a lua,
Muito profundo,
Muito calado.

Ao longe, um fio de luzes,
Em gargantilha d’oiro,
A reluzir.
Anunciava Sines.

No carro, cantava a voz,
Rouca, de Brendan Perry.
Em lengas-lengas de som,
Clamando ordem
Para este mundo
Perdido em desordem.

Eis senão quando,
Um archote em chama,
Como alta torre,
Virado ao céu
Sempre a arder,
Raivosamente,
Um fim do mundo...

Depois, entramos num mundo
Totalmente irreal!...

A refinaria!...

Como um grandioso barco,
A arder em luzes,
À deriva, no alto mar.

Torres ao alto,
Foguetões de luz.
Alamedas de fogo,
Pareciam arder,
Na escuridão do céu.

Grandes boiões de gás,
Espalhados pelo chão.
Reservatórios parados,
Pareciam pirâmides.
Num deserto, sem luz.

Que visão astral...
Extra-terrestre...
De estarrecer!

Uma aventura inimaginável
Que vale a pena.

Porto Covo, 26 de Outubro de 2013
22h55m
Joaquim Luís Mendes Gomes




de Porto Covo a Sines...

De Porto Covo a Sines...

Saímos os três,
Minha mulher,
Meu filho e eu,
De PortoCovo
Até Sines.
Pela noite escura.

Por uma estrada negra e sinuosa,
A borda-do-mar.

Dum lado,
O ermo preto, medonho
E solitário.

Do outro o mar,
De águas caladas,
Espelhando a lua,
Muito profundo,
Muito calado.

Ao longe, um fio de luzes,
Em gargantilha d’oiro,
A reluzir.
Anunciava Sines.

No carro, cantava a voz,
Rouca, de Brendan Perry.
Em lengas-lengas de som,
Clamando ordem
Para este mundo
Perdido em desordem.

Eis senão quando,
Um archote em chama,
Como alta torre,
Virado ao céu
Sempre a arder,
Raivosamente,
Um fim do mundo...

Depois, entramos num mundo
Totalmente irreal!...

A refinaria!...

Como um grandioso barco,
A arder em luzes,
À deriva, no alto mar.

Torres ao alto,
Foguetões de luz.
Alamedas de fogo,
Pareciam arder,
Na escuridão do céu.

Grandes boiões de gás,
Espalhados pelo chão.
Reservatórios parados,
Pareciam pirâmides.
Num deserto, sem luz.

Que visão astral...
Extra-terrestre...
De estarrecer!

Uma aventura inimaginável
Que vale a pena.

Porto Covo, 26 de Outubro de 2013
22h55m
Joaquim Luís Mendes Gomes




sexta-feira, 25 de outubro de 2013

as duas gémeas...

As duas gémeas...

Não percebo nada de pintura,
Mas oiço música,
Quando contemplo
Um quadro.

Os seus tons,
A arder,
As suas sombras,
Os seus traços,
Curvos, rectos,
São acordes lindos,
Claros, escuros,
Cheios de cor,
Que inebriam de som
Os meus olhos
E saciam de cor
Estes meus ouvidos.

Soltam tons
Cheios de cor.
Brados da alma,
Que canta e sofre.

Espelham o sol,
De luz,
Que nasce e morre.

Pintam o vento perdido,
Fugindo ao tempo.

Ressoam o mar
Fustigando as ondas,
São seara ao sol,
Amadurecendo o trigo,
Se esvaindo em sangue.

Afinal,
São só irmãs gémeas,
Filhas da arte,
Esposa do belo...

Mafra, 25 de Outubro de 2013
22h39m

Joaquim Luís Mendes Gomes

ao cair da tarde...

Visita ao mar...

Andava perdido
E reencontrei-me, frente ao mar.
Contando as ondas
Que me vinham,
E abraçaram...
Tantos abraços bem apertados
Que não recebo desta terra,
Seca e árida,
Que o sol cresta
Para a domar.

Minha alma ficou tão leve.
Como as gaivotas esbeltas
Que esvoaçavam alegres,
Em meu redor.

Não há recantos
Onde me esconda.
Quando me chega a tristeza.

Só nas ondas brandas
Deste mar,
Que envolvem,
Como um manto,
Encontro a paz
Que me rouba
A madrasta terra
Nem sempre mãe...

Mafra, 25 de Outubro de 2013
 20h 53m
Joaquim Luís Mendes Gomes



este mundo glorioso...

Este Mundo Glorioso...

Inesgotável de areia
É o deserto de Saará.

E as torrentes fenomenais
Que jamais secam o Niagara.

E o manto gigantesco
De nuvens no céu
Em permanente vigilância.

E os imensos bandos migratórios
Que, milhares de vezes,
Atravessam o mundo todo,
Em busca duma vida de sucesso.

E as legiões de mãos famintas
Que, pelo mundo,
Desde sempre,
Se precipitam,
Cada dia,
Nas garras do trabalho,
Para garantirem o seu pão
E o dos rebentos verdes
Que criaram.

E as vagas incessantes,
Carregadas de furor,
Que vêm lá dos confins,
Em cavalgadas loucas
Contra as costas.

E os vulcões de amor em chama,
Que irrompem da alma humana,
Quando em casa,
Soa a hora de aflição.

E a rigorosa harmonia milimétrica
Do universo inteiro
Em movimento sinuoso.
..................


Quão ingente e colossal,
Será a fonte inesgotável
Da Suprema Majestade criadora
Que, do nada, pôs em marcha
Todo este oceano imenso
De maravilhas
Para o bem da humanidade!...

Ouvindo Ricardo Wagner

Mafra, 25 de Outubro de 2013
8h17m

Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

confidências da madrugada...

Confidências da madrugada...

É, sobretudo, pela noite fora,
No silêncio da madrugada
Que eu lanço
A minha escada do infinito.
E subo e venço
Todas as distâncias
Que no dia
Eu  não alcanço.

Não há montanhas,
Não há desertos,
Não há escarpas,
Não há nuvens negras,
Nem angústias...
Tudo brilha,

Perante a plenitude gratuita,
Cheia de estrelas
Dum pensamento,
Humilde
Que se ergue,
Em sublime ebulição.

Como em sonho,
Quando oro...
E me entrego
Como sou,
Assim tão pobre,
Todo a Deus,

Tudo eu esqueço.
Nem a fome.
Nem a sede.
Nem o medo.

É, na paz de Deus,
Que vejo o sol,
E vejo a lua,
E adormeço,
Em chuva branda de luar.


Ouvindo Plácido Domingo

Mafra, 24 de Outubro de 2013

Joaquim Luís Mendes Gomes

num quadro preto...

Num quadro preto,
Risquei um traço branco.
Cheguei-lhe fogo.
E uma labareda
De versos a arder
Em fogo,
Se desprendeu,
Pelo ar...

Vi-me aflito
Para o apagar.
Tanto ardeu...
Me consumiu.

Reduzido a cinzas,
Para aqui fiquei morto.
À espera do vento
Para voltar a abrir...

Mafra, 24 de Outubro de 2013
14h29m

Joaquim Luís Mendes Gomes

preferia morrer...

Preferia morrer...

Acredito no meu irmão
Que vai a passar.
Porque acredito em mim
Que sou seu irmão.

Como eu, tropeça e cai.
Dorme e sonha,
Às vezes ressona.
Tal como eu.
Nem sempre me agrada,
Tem seus defeitos,
Muitas vezes me encanta.

Sinto-lhe a falta,
No dia em que falta...

Choro se chora.
Sua alegria me encanta.
Perdoo-lhe tudo,
Quando ele aparece a sorrir.
É o céu que se abre
E a vida a correr,
Como um rio
Para o mar.

Que seria de mim,
À soleira da porta,
Numa rua deserta
E  vivesse sozinho?...

Preferia morrer.

Café, “sete momentos”, em Mafra, 24 de Outubro de 2013
11h34m
Joaquim Luís Mendes Gomes



milagre do pão...

Milagre do pão...

Quando chega a Primavera,
Se acalmaram os elementos invernis,
Sai o lavrador todo feliz,
Com a saca às costas
E a enxada numa mão.

Ao nascer do sol,
Vai para o campo,
De terra tenra e depurada,
D’ervas daninhas,
Põe-se em frente,
De pé e ora...

Mete a mão e em arcos largos,
Em seu redor,
Vai lançando ao chão
E vai caminhando,
Em passos certos,
Vai cobrindo,
Em acto de amor,
A terra virgem
Que, por força divina,
E calor do sol,
Passados uns meses,
Se desdobra em espigas
E lhe darão o pão...

Ouvindo Ave Maria de Schubert...

Mafra, 24 de Outubro de 2013
8h19m

Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

o meu jardim...

O meu jardim...

Estou para sair.
Não sei
Quando voltarei.

Fui dizer adeus às flores do meu jardim.
As minhas amigas...
Nada me pedem...

Só me dão carinho
Pelas gotas de água
Que lhe dou nos pés.

Primeiro as rosas.
Não sei porquê.
Talvez porque
Uma Rosa linda
Foi minha bisavó.

São as minhas estrelas.
Com tantas cores,
Brilhando ao sol.
Me dão o céu,
Sempre a brilhar.

E as margaridas,
Logo a seguir.
Tão serenas.
Tanta doçura,
Com tanto encanto,
Como eu recebia
Nos abraços ternos
Da minha avó.

Depois os jacintos.
Cachos acesos,
Brancos, rubros,
De azul celeste.
Muito hirtos,
São tão altivos.
Braços erguidos,
Me pedindo bênçãos
Ao Criador...

Talvez, cumprindo
A vontade do meu bisavô.

E as dálias puras,
De vestidos largos,
Com tanta roda.
Como se fossem aves.
Parecem moinhos abertos
À espera do vento.

E as jardineiras,
Envergonhadas,
Tão sorrateiras,
Beijando o chão.

Digo-lhes adeus
E elas me respondem,
Quase adivinham...
Ficam tristonhas,
Parecem chorar.
Me cobrem de vénias...
Como se eu fosse deus.

Mafra, 22 de Outubro de 2013
19h49m
Joaquim Luís Mendes Gomes




terça-feira, 22 de outubro de 2013

em delírio ao pé do mar...

Em delírio, ao pé do mar...

Estonteado com a angústia atroz
Que se vive por todo mundo,
Fui cansado,
Sentar-me procurando
A paz ao pé do mar.

Não demorou nada...
Como por encanto,
Senti-me a voar nas asas do sonho.

Tudo era imenso e belo.
O azul do céu infinito,
Se espelhando no mar,
Penteando suas ondas,
Com espuma de vento.
E aroma de iodo,
Como se, em dia de festa,
Majestosamente engalanado.

Não sei dizer,
Se dormindo,
Ou sonhando,
Acordado,
Como em êxtase,
Vi exposta e suspensa,
À minha frente,
Como um milagre,
Em transcendente assembleia,
De lés-a-lés,
A multidão imensa
De toda a humanidade,
Que povoou a terra,
Desde o começo...

Tantas cores,
Tantos matizes,
Em miríades infinitas,
Como de estrelas,
Naqueles rostos tão diferentes
E tão iguais,
Espelhando
A mesma alma etérea
Que hoje temos.

Surpreendentemente,
Não expressavam dor
Nem sofrimento,
Como nos reza a história,

Antes o júbilo excelso...em chama,
De quem, em delírio,
Espera Alguém...
Só podia ser o Criador
Que estava para vir,
Naquele momento e hora.

Ouvindo André Rieu

Mafra, 23 de Outubro de 2013
7h33m

Joaquim Luís Mendes Gomes

os serões de minha Avó...

Os serões da minha Avó

Se algum um dia,
Passares à minha porta,
Seja inverno, seja verão.
Entra.

Minhas portas estão sempre abertas,
É serão.

Há sempre um espaço livre
Na minha lareira.

Temos vinho à mão
Da minha pipa
E pão do forno
Queimado com minha lenha,
Em labaredas de amor.

E um piano preto
De caixa negra,
Sempre aberta
Que toca bem
Como nenhum.

Mo deixou a minha avó...
Tinha mãos de pianista
Alegraram minha infância.
Tocavam bem
Como ninguém.

Que maravilhosas madrugadas
Baladas puras de luar...

Até as andorinhas
Que dormiam no sótão
Se calavam para ouvir.

Agora, só oiço as saudades dela,
Que me enchem o coração.

Mafra, 22 de Outubro de 2013
19h20m
Joaquim Luís Mendes Gomes


o meu balanço...

O meu balanço...

Nunca fui bom em contabilidade.
Minhas contas deram sempre erradas.

Para mim, foi sempre maior
O superavit...
Que todas as perdas.

Por isso, o meu baú
É um tesouro escondido.
A abarrotar...

Só deve abrir-se,
Após a morte.

Quem vai lucrar,
São os meus herdeiros.
Vão ficar ricos,
Como nunca o fui.

Tantas dádivas de graça
Eu recebi...
Como de chuva em verão de Abril.

Foi sempre o segredo oculto
Do meu jardim...
Nunca precisei de ir ao mercado
Para enfeitar
A minha mesa.

Tanta riqueza me entrou
Em casa...

Deu para mim
E para toda a gente...
Índa sobrou
Para matar as saudades de mim
Que, apesar de tudo,
Eu deixarei no fim...

Mafra, 22 de Outubro de 2013
14h2m

Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

prefiro o deserto...

Prefiro o deserto...

Sinto-me nú
Num  deserto só.
Só areia, cardos,
E miragens frescas
De água ao longe.

Não há brisa.
Só os dardos mortos
Dum sol em calda
Me refrescam.

Só sinto sede do amor celeste.
Só as estrelas frias,
Lá muito em cima,
Me derramam lufadas
De chuva fresca.

E é a lua acesa,
Em tons de cinza
Que me empresta o manto
Com que me cubro,
De noite.

Mato a fome
Com os meus sonhos.
Adormeço sereno
Nos braços quentes
Que me abraçam
Na madrugada.

E só desperto em paz,
Ao nascer da aurora
Com o abraço ardente
Do nascer do sol.

Não quero vestes
A cobrir meu corpo.
Quero morrer tal e qual assim
Como vim ao mundo...

Mafra, 21 de Outubro de 2013
Joaquim Luís Mendes Gomes


operação stop...

Operação stop...

De vez em quando,
Convém fazer uma operação stop
Na estrada larga
Da nossa vida
Que é sinuosa,
Cheia de riscos,
Muito perigosa.

Cheia de curvas,
Ravinas altas,
Tem tantas lombas,
Altos e baixos,
Tantos buracos
E bermas estreitas.

E, quando chove,
Lá vem a lama...
Por todo o lado,
Vem das encostas,
Só o sol a seca
E o vento a leva.

Tem encruzilhadas agudas,
Com tantas surpresas,
Onde menos se espera.

Até animais ferozes,
Gente à boleia,
E ladrões da estrada...

Vêm aos montes,
Não usam farda,
Em alcateias.

E faltam polícias,
Foram p’rá praia,
Abundam fiscais,
São tão zelosos...
Caneta na mão,
Pronta a escrever,
Nada perdoam,
Por conta do rei...
Só pensa nele
E esquece a grei.
Sem lei nem roque...

Ouvindo grandes temas...

Mafra, 21 de Outubro de 2013
8h16m
Joaquim Luís Mendes Gomes


sábado, 19 de outubro de 2013

dos nossos medos...

Dos nossos medos...

Ter medo será o sexto sentido
Que nos acompanha cedo,
Desde o berço até ao fim.

Por si, não é negativo.
A ele se deve a salvação constante
Da nossa existência.

Quem não o respeita,
Muito depressa,
Terá o abismo trágico
Pela frente e nele se afunda.

Não sinto medo da morte,
Embora seja ideia que não me agrade.
Tenho medo de consumir a vida,
Sem a ter vivido plenamente,
Com a dignidade que nos é própria.
Desenvolvendo ao máximo,
As minhas faculdades,
E exercendo-as no bom sentido.
Para meu bem
E bem geral...
Saboreando o mel
E toda a beleza
Que a vida tem.

Sinto o medo
De não ser plenamente e bem
Quem sou
E devo ser,
Como mais ninguém...

Ouvindo Grieg

Mafra, 20 de Outubro de 2013
7h22m

Joaquim Luís Mendes Gomes

quadros da tarde...

Pinturas da tarde...

Agarro em pedras,
Agarro em folhas,
Escrevo versos...
Não uso tinta nem pincéis,
Como quem só pinta com as mãos.

Só exijo estejam limpas,
Estejam lavadas,
Estejam secas,
E não sirvam
Para mais nada...

Tenham cumprido bem
O dever que tinham,
Segundo a lei
Que Deus lhes deu...

Só com elas,
Bem urdidas,
Bem alinhadas,
Lhes dou as cores e a luz
Das que iluminam a minha alma,
Como fogo divino
Que Alguém,
Não sei porquê...
Só nesta hora,
Já tardia,
De graça,
Lhe acendeu...

Ouvindo Plácido Domingo

Mafra, 19 de Outubro de 2013
14h37m
Joaquim Luís Mendes Gomes


lição dum cão...

Lição do cão...

Um dia, saltei um muro...
À minha porta
E roubei flores...

Apareceu-me um cão.
Viu-me tão contente,
Mesmo a tremer.

Parou a ver
E depois me perguntou:

- Para que queres tu essas folhas às cores,
Apenas cheiram bem
E não servem para mais nada?...

Olhei o amigo.
Olhos nos olhos.
E retorqui.

- Para que servem aqueles ossos secos,
Que te dão e tanto gostas?...

Sem resposta, o bom do cão,
Lambeu-me as mãos,
De gratidão.
Cortou um ramo
E foi a correr...
Com o rabo a dar...
Todo contente...
Para levar à sua dona!...

Mafra, 19 de Outubro de 2013
14h10m
Joaquim Luís Mendes Gomes


ponto de equilíbrio...

Ponto de equilíbrio...

Nem sal a mais,
Nem sal a menos.
Nem tanto ao mar,
Nem tanto à terra...

Para hoje tenho...
Amanhã,
Também é dia,
Logo se vê...

O desequilíbrio
Sem braços abertos,
A olhar para o ar,
Dá queda certa.
Pode ser fatal...

Navegar à vela,
Com terra à vista
Ou o farol no céu
É rota certa.

Tudo, no mundo,
Gira, rigorosamente, em círculo,
Para dar certo.
A linha recta se tem começo,
Não tem mais fim...

O dia e a noite,
Em marcha lenta,
Sempre certa,
Nunca se perdem
Porque a terra e o sol,
Sempre à roda,
Com a certeza dum relógio,
Nunca deixam de se olhar...

Ouvindo grandes temas...

Mafra, 19 de Outubro de 2013
7h53m
Joaquim Luís Mendes Gomes






sexta-feira, 18 de outubro de 2013

o teu rosto...

Teu rosto belo...

Me quedo absorto,
Quase perdido,
Diante da beleza
Do teu rosto.

Mar profundo,
Mergulho nele,
Suas ondas ,
Cheias de espuma,
Inebriam minha alma.

Repouso cansado
Os meus olhos
Nessas rugas de mistério.

E leio lendas,
Oiço acordes,
Diviso estrelas,
Entre as nuvens,
Só eu entendo,
Embaciam o meu olhar.

Tuas faces, de tão albas,
Quase infinitas,
São duas dunas,
Tão brilhantes,
Ofuscam toda a tristeza,
Que me afoga
Na maldade deste mundo.

Tuas pálpebras doces,
Duas cortinas...
Sem qualquer sombra,
São só minhas

Que se abrem,
Tão suaves,
Tão serenas,
Me arrebatam,
Como um náufrago,
Céu acima...

Os teus olhos,
De lua cheia,
São dois anjos,
Tão brilhantes,
Fascinantes,
Me encandeiam,
E me levam até às estrelas
Onde me perco a sonhar.

Mafra, 18 de Outubro de 2013
19h15m

Joaquim Luís Mendes Gomes

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

sem lugar para o mal...

Sem lugar para o mal...

Irrompem rutilantes,
Em qualquer lado,
Como um manto real,
Ao calor do sol
E carícias da natureza.

Surgem de graça,
Da terra estreme e virgem,
Como açucenas
Ou rosa amarela,
Enfeitando as serras,
Desde os pés aos cumes.

São azuis e albos,
Da cor das estrelas.
São luminosos,
Como o sol nascente.

Miosótis, estrelícias, em cachos,
Prendas de inverno,
Archotes vivos.
Fogos de amor...

Fazem-nos felizes,
Só de olhar para eles.  
Tanta candura.
Tanto perfume a brotar para os céus.
Enchem-nos a alma...de paz e luz...
Parecem o céu...

Como é possível,
Haver na terra tanto lugar para o mal?...

Ouvindo André Rieu...

Mafra, 18 de Outubro de 2013
7h38m

Joaquim Luís Mendes Gomes

sementes de paz...

Sementes de paz...

Acredito na força final
Que o homem,
Tem para gerar a paz
Em seu redor.

Muito mais que no mal.
De que é capaz.

E na sedução fatal do bem,
No seu ser e agir,
No seu cantinho.

A lei é simples...

Porque, no fundo,
Lhe bate dentro
Um coração...

De pai ou mãe.

Que só quer o bem
De quem deu à luz,
Fruto de amor...

É esta a ordem da vida...

Começo e fim.
Semente de paz.

Ouvindo Hélène Grimaud

Mafra, 17 de Outubro de 2013
8h28m

Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 15 de outubro de 2013

festa geral...

Festa geral...

Gostava de fazer uma grande festa.
Convidar o mundo inteiro.
Nunca mais tivesse fim.
Soasse música ardente.
E muita dança.

Comer à farta.
E toda a gente alegre.
Com a certeza
De que, em todo mundo,
Acabara a guerra e a fome,
Brilhava o sol
E reinava a paz.

Que a humanidade inteira,
Vertical e humilde,
De mãos dadas,
Habitasse a terra,
Com os pés assentes,
De olhos no céu.

Que a inteligência geral
Fosse um archote a arder,
Abrindo caminhos,
Cada vez mais largos,
Com equilíbrio,

Rasgando trevas,
Desvendando os segredos,
Que a natureza guarda,
Para o bem do homem.

Onde o nascer para vida,
Com os nossos limites,
Com lugar para a dor,
Fosse a porta aberta
Para um paraíso
De paz e amor...
Bastaria o homem
Querer ser só
E apenas homem...
Como Alguém o fez.

Oxalá não fosse
Querer demais!...

Ouvindo Pavarotti

Mafra, 16 de Outubro de 2013
6h39m
Joaquim Luís Mendes Gomes