quinta-feira, 3 de abril de 2014

dois espelhos....

Diálogo dos dois espelhos...

Admirável a franqueza do espelho limpo
Que me olha de frente,
Preso à parede.
É claro.
É directo.
Diz, cara a cara
O que sou de fora.

Os meus traços.
Minhas rugas.
Meus sinais.
Os meus cabelos.
Muito bem contados...
De tudo ele dá conta.

Se minhas barbas esbranquiçadas,
Estão bem contornadas.
Equilibradas.

Dos meus olhos,
Me mostra a cor.
E me sorri.
No fundo, quase me faz ver
O que tenho lá dentro
Que é só meu.
Nem eu entendo.

Olha-me de cima aos pés.
Se preocupa
Com minha linha.
Sapatos limpos.
Calças vincadas.
O nó da gravata.
Se está direito.
Em forma.
Que sentinela!

E diz-me adeus.
Quando me vou
E olho para trás!...

Quando volto.
Mal abro a porta,
Me saúda de lado.
Como quem diz.
Ainda bem.
Sejas bem vindo.

Que perderia eu
Sem o meu espelho!...
Seria a ideia só.
A fantasia.
De ser como não sou.

Perderia a verdade,
Fruto da luz
Que me vê de fora.

Mas, lá por dentro...
Um outro espelho brilha.

Esse me fala.
Muito franco.
Diz o que pensa.
Me orienta.
A cada passo.

Implacável.
Me bendiz
Na hora.
Com a mesma verdade
Com que me censura.
Não descansa
Enquanto não lhe prometo
Emendar o que dei errado.

È meu amigo.
É meu sensor atento,
Nas sendas tão sinuosas
Que a vida tem...

Ouvindo “ Nocturnos” de Chopin

Mafra, 3 de Abril de 2014
7h22m

Joaquim Luís Mendes Gomes

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