sábado, 30 de novembro de 2013

pássaro ao vento...


 

Aí vou...

 

Aí vou...pássaro sedento,

Ao sabor do vento,

Em liberdade plena,

Buscando um lago perdido,

Uma fonte escondida,

Onde beber,

Espanejar minhas asas,

Crestadas do tempo,

Sujas do ar.

 

Quero encontrar

Sementes douradas,

Meu alimento,

Cresçam em mim,

Dêm bom fruto

E eu possa oferecer

A quem precisar.

 

Vou decidido

A nunca parar,

Tão alto subir,

Para medir bem as distâncias,

Entre o mar e a terra,

Onde serpenteiam os rios,

No meio dos campos,

Aldeias espalhadas,

Onde vivem pessoas,

Que são meus iguais.

 

Parecem sem vida,

Que amam e sentem.

 

Quero largar estes versos,

Como folhinhas às cores,

Outono cadente,

Cheias de alma

Sedenta de amor...

 

 

Ouvindo Hélène Grimaud...

 

Berlim,2 de Dezembro de 2013

6h50m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

 

comboio da Régua...


Comboio da Régua...

 

 

Tomava o comboio a carvão

Em Caíde d’El Rei,

Que vinha do Porto até ao Pinhão.

 

Era ronceiro...

Tuncathum...thuncathum...

Lá ia ele em marcha lenta,

Sempre a apitar...

Como um elefante.

 

Deitava fumo branco

Em baforadas,

Seguia raivoso,

Para chegar a horas.

 

Furava túneis.

espumando cinzas,

Sem ver o chão.

 

Aí ia ele, de braço dado,

Ao pé do Douro.

 

De hora a hora,

Matava a sede,

Bebia água,

Em vez de vinho...

Com três classes,

Duas de pau.

Porque a primeira,

Na dianteira,

Tinha fregueses certos,

Eram os fidalgos

Donos da eira...

 

Hiii!...Hiii!...

Dobrando as curvas,

Sempre subindo.

 

Ai que saudades eu sinto dele,

Apesar da camisa fina,

Me ficar toda suja,

Com tanta cinza!...

 

 

Berlim, 1 de Dezembro de 2013

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

a oração...


A oração...

 

Podem descobrir todos os caninhos ocultos

Que no mundo há.

 

Desde a electricidade à internet.

Chegar a todos os planetas,

Onde houver vida.

À velocidade da luz...

 

Podem decifrar todos os enigmas

Com a força finita da razão.

 

Alcançar os píncaros mais altos

Que há no mundo.

E os segredos da vida oculta.

Duma simples amiba,

A um elefante.

 

Tudo restará,

Infinitamente, distante,

Dessa força incalculável

Que cada um de nós tem

Ao nosso alcance.

 

Basta um simples toque...

Se abre o mundo inteiro

À nossa mão.

Porque nos liga directo

Ao Criador...

 

Basta querer.

Seu palácio real não tem portas.

Está sempre aberto,

A toda a gente,

Independentemente,

Da cor da pele...

Da riqueza ou da pobreza.

 

A todos recebe,

Pronto e na hora,

Da desgraça

Ou da alegria.

 

Não tem guardas

À nossa espera

Para nos tirar o nome.

 

Ele é Cura...

Ele é médico...

Com remédio certo

Para cada mal.

 

Nada cobra.

Conhece e ama

Cada um de nós,

Como se fôssemos o único.

Só espera de nós

Que O chamemos Pai...

 

Ouvindo Brendan Perry e mais...

 

Berlim, 1 de Dezembro de 2013

00h00m

Joaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

o espaço e o tempo...


O espaço e o tempo...

 

 

Voo no espaço e no tempo,

Como folha perdida,

No espaço da vida,

Que o tempo me dá.

 

Passo horas correndo,

Fugindo da vida madrasta,

Que o tempo me traz,

No espaço onde moro,

Sem espaço nem tempo.

 

 

Vivo cercado de tempo,

Sem espaço,

Com trevas,

Em cativeiro de luz.

 

Sei que lá fora,

Há praia e mar,

Com azul,

Luzindo no céu.

 

Tenho barreiras,

À volta

Que me cortam as asas,

E me prendem os pés.

 

Tantas horas perdidas,

Num espaço deserto,

Sentindo o sol a queimar,

Envolto

 

 

De trevas sombrias

Que o tempo me dá.  

 

Sinto falta

De tempo e de espaço

Para uma vida

Com alegria e sol...

 

Valem-me a fé

E a certeza da esperança..

 

Ouvindo Grieg...e mais

 

Berlim, 30 de Novembro de 2013

8h39m

Joaquim Luís Mendes Gomes

 

 

 

 

mordaças da vida...

Mordaças da vida...

Saltei para o meio da praça,
Tentando descalçar as botas.
Minhas passadas
Mas prenderam com tantos laços,
Via-me grego para caminhar.

Tantas laçadas me deu a vida...
Preferia poder
Andar descalço.

As mais apertadas
Tinham as marcas fundas
Da religião, muito mal contada.

Tantas nuvens densas
Toldaram meus pés...
Me ataram as mãos.
Em confusão.

Um tal novelo, de voltas falsas,
Me prendeu os dias,
Com frio e vento.
De enregelar.

Sobrevivi, apesar de tudo.
Graças a Deus.

Abri os olhos, vi claro.
O sol raiava...
Tudo era negro.
Com tantas regras...
Tantas laçadas,
De estarrecer.

Num golpe de rins,
Dei cá um salto
E pus-me a correr.

Outras vieram.
Filhas da pátria!...
Mandaram-me prà guerra,
Sem saber porquê...

Quis o destino
Me salvar da morte,
Naquela hora de esperança,
Que a vida promete...
Às vezes não é...

Saltei para vida, um lutador.
Trepei os montes,
Para chegar ao topo
E ver o sol...
Atingi os cumes,
E uma miragem brilhante,
Se abriu em frente.

Caí em mim,
Senti-me vazio,
Um desprezado.
Pedi socorro.
Ninguém apareceu.

Pelos meus pés,
Sangrando sangue,
Lancei-me à luta,
Com as minhas armas,
Que Deus me deu.

Abri os olhos...
Tomei um duche.
Fiquei em mim.
Pus-me a dormir
A sono solto...
Quando acordei,
Me vi sem botas.

Berlim, 29 de Novembro de 2013
2026m
Joaquim Luís Mendes Gomes


renascer...

Renascer...

Espero um dia,
Depois de morrer,
Renascer na mesma casa
E mesmo lugar.

Serei pai dos meus avós...
Sou de boas contas.
Vou enchê-los com tantos carinhos,
Como deles recebi...

Berlim, 29 de Novembro de 2013
16h7m

Joaquim Luís Mendes Gomes

música das palavras...

A suave ou grave música das palavras...

Minhas janelas do pensamento.
Por vós eu espreito
As profundezas do universo,
Com sol e estrelas.

Desço e toco no fundo negro
Do mar ignoto.

Lanço ao vento,
Minhas baladas
Que me vão cá dentro.

Faço brindes de festa,
Ao nascer do sol de cada dia.

Alcanço montes
Onde a neve,
Tristonha e fria,
Se estende ao sol
Da luz do dia.

Dou voz solene
Às melhores sonatas,
Com clarins e coros.

Dou a volta ao mundo
Com as notícias certas
Da própria hora.

Solto meus sonhos,
Que moram cá dentro,
Moinhos de velas paradas,
À espera do vento.

Lembro as horas passadas
Que não quero esquecer.

Capto e decifro
Todas as ondas internas
Que ressoam de ti...

Berlim, 29 de Novembro de 2013
9h27m
Joaquim Luís Mendes Gomes


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

a doçura da amizade...


Doçura da amizade...

 

Se há a luz dum sorriso aberto no teu rosto,

Quando eu chego,

Tudo brilha de sol.

Mandas-me entrar.

 

Sentas-me à mesa.

À sombra, no teu quintal,

Ou junto à lareira a arder.

 

Chamas os teus para a nossa beira.

Arranja-se sempre qualquer coisa,

Nem que seja um copo de água fresca

Um copo de vinho,

Um naco de broa,.

E de tudo o que houver...

 

Relembram-se lindas histórias comuns

Que o tempo levou.

 

Há gargalhadas,

De levar às lágrimas,

Por qualquer coisinha pequena...

Que para nós

É sempre grande coisa...

 

Reapertam-se os nós dos laços

Que nos prendem.

 

Sentimo-nos mais fortes.

Escorraçamos os negrumes

Da solidão...

 

Acendem-se faróis de sol,

Para a escuridão das noites,

No caminho à frente...

 

Trocam-se presentes.

Chove alegria em torrente

E, para sempre, reina a paz

Que só a amizade produz...

 

Ouvindo Grieg...

 

Berlim, 29 de Novembro de 2013

Joaquim Luís Mendes Gomes

exame de consciência...

Exame de consciência...

Quando à noite,
Na minha cama,
Me preparo para adormecer,
Há sempre uma voz,
Bem cá no fundo...
Pronta a pedir-me contas
Do bem ou mal
Que eu fiz no dia...

Tento distrai-la...
Se me sinto pesado.
E ela insiste... insiste...
É uma chata
E não se cala.

Até que, faça o estendal...
Nem uma só vírgula,
Ela perdoa...

Tenho de jurar,
Pelas almas dos vivos
De quem mais gosto...
Que não farei igual.

Só depois me deixa...

No dia seguinte...
É sempre o mesmo!...
De bem...e mal.

Berlim, 28 de Novembro de 2013

Joaquim Luís Mendes Gomes

fogueira no meu quintal...


A fogueira do meu quintal...

 

Fui aquecer-me numa fogueira

Que acendi no meu quintal.

 

Não levou muito...

E toda a aldeia veio se aquecer...

Busquei vinho da minha pipa.

Trouxe broa.

Alguns chouriços.

 

Uma chuva densa de alegria,

Se abateu sem vento...

Pôs-se uma roda viva em movimento...

Esqueceu-se o frio...

Veio o calor.

 

Houve dança.

Houve tambor.

Juntou-se a lua cheia

À nossa festa...

Ninguém queria ir-se embora,

Enquanto o fogo da fogueira

Ardeu...ardeu...

E não se apagou.

 

Ouvindo Brendan Perry

Berlim, 28 de Novembro de 2013

15h21m

 

 

caixinha de marfim...

Caixinha breve de marfim...

Nas bordas de Berlim,
Vasta urbe, de casario baixo,
Muito nobre,
Mergulhado em mares de florestas,
Já sem feras e sem renas,

Há um bosque,
Que borda um lago,
Muito calmo
E caprichado,
Com palácios, palacetes,
E zimbórios
Muitas igrejas rubras,
Bem ao estilo
Das histórias do passado.

Não muito longe,
Já com traços mais modernos,
Muito sóbrios,
Como aldeia calma
De colmeias,
Achei um cantinho,
Tão aconchegado,
Como um ninho,
Dá para as copas,
Ora verdes,
Ora rúbias,
Ora, brancas,
D’alamedas,
Cheias de tílias
E carvalheiras altas.

Por ali voam,
Mansamente,
Muito altivos,
Independentes,
Como se donos,
Casais de corvos negros
E algumas pombas.

Essas doces...
Muito ténues.


De vez em quando,
Há uma ou outra
Que me visita
Na varanda,
Onde escrevo
E, tão serenas,
Me arrolham
Os mesmos versos,
Naquela língua
Que eu conheço
Como se minha...


Ouvindo Hélène Grimaud,

Berlim, 28 de Novembro de 2013
9h10m

Joaquim Luís Mendes Gomes

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

sublimes devaneios...

Adormeci em êxtase,
No regaço do rio que banha o meu quintal...


Deram as doze badaladas da meia noite.
Contemplava o céu e as estrelas.
Uma nuvem de sono solto
Inundou a minha alma
E adormeci.

Sob a ponte de pedra antiga,
Passa um riacho manso.
Onde aprendi a arte de pescar.

Acordei de madrugada,
Fazia luar de lua cheia.
Ali fiquei espantado,
Com tanta luz,
E uma leve neblina,
Tecida em pano de luar.

Orei ao céu
O hino de alegria,
Que ouvia em mim,
Com coros de anjos a cantar.

Até as rãs,
Que ali moravam,
Se associaram a grasnar...

Enquanto o ribeiro
Em correria,
Batia palmas,
Como o mar...

Berlim, 28 de Novembro de 2013
00h01m
Joaquim Luís Mendes Gomes




aranha da tarde...

Minha aranha da tarde...

Sempre que tomo o elevador
Que dá para o exterior,
Há uma aranha alapada,
De braços estendidos,
Na parede,
À espera da presa
E à frente dos olhos.
No local que escolheu.

Minha maldade me vence
E atiro-a ao chão...

No dia seguinte,
Ela lá está outra vez...
Quando me abeiro,
Parece tremer...

Renovo-lhe um toque
E ela lá cai.

Sentindo remorso,
Quase chorei...
Do mal que eu fiz.

Agora, eu chego
E ela parece sorrir...
Mais vale o bem
Que o mal...

Berlim, 27 de Novembro de 2013
16h31m
Joaquim Luís Mendes Gomes








ramos nus...


Nos ramos nús...

Caíram as folhas,
Levadas pelo vento.
Ficou o tronco e os braços,
Caiados de preto.
Parecem morrer.

Espalhadas no chão,
Parecem papeis de jornais,
Carregados de letras
Já não servem ninguém.
A não ser para pastel.

Enchem valetas.
Esperam carretas
Que as hão-de levar.

Serão sepultadas na vala comum.
E eu que as vi, dançando ao vento,
Bailarinas de verde,
Tingidas de luz!...

Regressarão ao húmus da terra.
Como nau catrinetas,
Hão-de voltar.
Com histórias verdinhas,
Nervuras e letras,
Que o vento vai ler...
E cantar.
Quando a primavera voltar.

Ouvindo um violino e um piano chorando...

Berlim, 27 de Novembro de 2013
15h51m
Joaquim Luís Mendes Gomes

ouvi-te cantar...

Ouvi-te cantar esta noite...

Eras tu, minha Mãe saudosa,
Que me embalavas,
Esta madrugada de insónia,
Para eu dormir...
Como quando era menino de berço.

Aquela voz tão linda...
Soava tão doce.
Vinha do céu.

Onde moras,
Com teu Amor,,
Há muitos anos.
Ao pé de Deus!...
Bendita sejas!...

( lembrando minha Mãe...no seu derradeiro dia)

Berlim, 27 de Novembro de 2013
10h38m

Joaquim Luís Mendes Gomes

terça-feira, 26 de novembro de 2013

vale das estrelas mortas...

Vale das estrelas mortas...


Lancei-me de paraquedas
Duma nave espacial,
Das que fazem carreira diária,
Pelas alturas do universo...

Rodeado de estrelinhas brilhantes,
Faziam rendas, tão acesas,
Como em feirinha de Natal.

Passei por montanhas,
Em cordilheira,
Eram estradas,
Eram serpentes,
Sobre os cumes,
Onde giravam
Cometas, planetas,
E  asteróides,
Uns luzentes,
Outros apagados,
Mais perdidos
Do que eu...

Dobrei os cabos,
Promontórios,
Alcantilados,
Cavernosos,
Com faróis,
Que alumiam lá no céu.

Atravessei buracos,
Com ozono,
Sem ozono,
Eram negros,
Mais que túneis
E fui dar um grande vale.

Sem portas,
Sem fronteiras,
Fumegante.
Com velinhas
Dum campo santo...

Lentamente,
Quase a medo,
Bem preso
À minha nave,
Poisei nele.

Eram alamedas longas,
Infinitas,
A perder de vista...
Ali jaziam mortas,
Todas as estrelas,
Longos milénios,
Foram génios de luz,
Que o Criador deixou morrer...

Ouvindo Brendan Perry

Berlim, 27 de Novembro de 2013
8h31m
Joaquim Luís Mendes Gomes







comboio da meia-noite...


Comboio da meia noite...

Apanhei o comboio da meia-noite.
Sem destino.

Meti-me nele e fui.
Ia vazio meu camarote.

Pus-me à janela.
A escuridão dos campos.
De longe alonge uma luzinha tíbia,
Na encosta do monte.
- Ali há gente.- pensei.
Como eu vive e sonha.
Sofre e ri.
Mais à frente,
O comboio parou.

Junto à estação.
Toda iluminada,
Ninguém no cais,
Além da bandeirinha
Que nos fez seguir.

E veio um rio.
Uma ermida além.
E mais casais, espalhados,
Como pirilampos.
Aqui vou eu.
Centro do mundo...
Ao deus dará.

Sorridente, com ar garboso,
O revisor entrou.
- o seu bilhete?
Pus-me à procura.
Em todos os bolsos...
Depois me lembrei
Que o não tinha tirado!...

Atónito, voltou:
- Para onde vai?

Caí em mim.
Nem eu sabia.
- até ao fim da linha...
- e donde vem? – retorquiu,
Naturalmente.

- Da primeira estação..donde partiu.

- vai pagar multa...além do bilhete!...
- assim seja.- lhe respondi.

E aqui vou eu
Sem saber para onde.
Onde vou dormir!...

Berlim, 26 de Novembro de 2013
20h18m
Joaquim Luís Mendes Gomes
Berlim,




cofre das ausências...

O cofre forte das ausências...

Guardo na minha cave,
Num sítio que só eu sei,
Muito bem escondido,
Um baú
A que chamei
“o meu cofre forte
Das ausências...
- São minhas lembranças doces do passado...

Está a abarrotar.

Quando a vida se me amarga,
Abro-o, com todo cuidado,
E dele tiro, na hora,
Aquela de que mais preciso.

Hoje, roidinho de saudade
Fui buscar a do meu primeiro amor.
Tinha uns doze anos.

Estava eu numa encruzilhada:
Ou seguia o caminho
De ser padre...
Ou vivia o sonho
Do primeiro amor...

Tinha o nome duma flor...
E era mesmo.
Muito linda.
Muito meiga.
Um botão de rosa a abrir.
Foi dela, futura mulher,
Que recebi meu primeiro beijo...
Nunca mais o esqueço!

Berlim, 26 de Novembro de 2013
17h27m

Joaquim Luís Mendes Gomes

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

não aprendi a amar...

Nunca aprendi a amar...

Não se ensina.
Não se aprende.
Como nunca ninguém
Me ensinou a respirar...

O mundo acaba,
Se eu não respiro.
Amar está inscrito a fundo,
E nunca se apaga,

Na alma da gente.
E acompanha o corpo
Até à morte...

Como não existe o ódio
Químicamente puro.

E se parece existir,
É só o medo absurdo
Que ele esconde
Profundamente...

Só odeia quem não é amado.
Como lava ardente,
Tudo lava e cura
O amor que ama...

Berlim, 26 de Novembro de 2013
22h51m
Joaquim Luís Mendes Gomes



as libelinhas...


As libelinhas...

Há quem deteste as libelinhas...
Sentem pavor, se uma só se abeira.
Agora, imaginem-se num descampado.
Há um avião de caça,
Teatro de guerra,
Com o prego a fundo,
Direitinho a si...

Se não se morrer de susto,
Não há quem escape...
Falo, por experiência própria...
Foi na Guiné.

Ainda aqui estou.
E cada vez mais gosto das libelinhas!...

Berlim, 26 de Novembro de 2013
22h26m
Joaquim Luís Mendes Gomes



as libelinhas...


As libelinhas...

Há quem deteste as libelinhas...
Sentem pavor, se uma só se abeira.
Agora, imaginem-se num descampado.
Há um avião de caça,
Teatro de guerra,
Com o prego a fundo,
Direitinho a si...

Se não se morrer de susto,
Não há quem escape...
Falo, por experiência própria...
Foi na Guiné.

Ainda aqui estou.
E cada vez mais gosto das libelinhas!...

Berlim, 26 de Novembro de 2013
22h26m
Joaquim Luís Mendes Gomes



formei-me numa universidade livre...

Formei-me numa universidade livre...

Já adulto, com a formação da vida,
Escolhi o curso.
Matriculei-me na universidade aberta.
Tudo à volta,
Era um deserto.
Não havia bares
Nem discotecas.

Não havia capas.
Só os livros
E as canetas.

Eram mestres os professores.
Sabiam da poda,
Que nem doutores.

Aprendi latim.
Grego clássico.
Filosofia escolástica.
Líamos Cícero,
Aristóteles,
No original.
Tudo de graça.

A civilização da história.
Desde os sumérios,
Os egípcios,
A Grécia antiga
Até à Europa das luzes.

Onde aprendi mais,
Foi na Caldeia.
Os primeiros passos,
Seguros e firmes
Dum caminho longo.

Tudo nasceu ali...
Da contemplação total.
Pelos séculos fora,
Nada mais acrescentaram,
Apesar da técnica
E da informática...
Que nos terá levado à lua!...

Nunca o homem se conheceu tão fundo...
Foi o que aprendi, sem ser doutor!...

Berlim, 26 de Novembro de 2013
Joaquim Luís Mendes Gomes


peito da mulher...

Peito da mulher...

É muito difícil a um homem
Escrever sobre o peito duma mulher...

Sinto-me como
Um estonteado alpinista louco,
Frente à magnitude
E beleza forte
Dum Everest...

Como outro doido varrido,
Frente a um vulcão a arder,
E se lança à chama...

Como um ladrão da noite,
Apanhado na hora do crime...

Como um lobo faminto
Que se sente só
Num deserto imenso.

Como um pintor artista,
Devorando a chama em fogo
Que o faz pintar...

Como um anjo da noite,
A bater de porta em porta...

Como um cantor de ópera,
Que perde a voz...
No começar da festa...

Como um ciclone em chama
Que se apaga em paz...

É tudo isto e mais...
Uma fonte de amor
Que jamais acaba...

Berlim, 25 de Novembro de 2013
15h19m
Joaquim Luís Mendes Gomes



tarde de Novembro...

Tarde de Novembro, em Berlim...

Estou em Berlim.
São duas da tarde.
Dia de sol.
Que céu azul,
Banhado de nuvens.
Parecem icebergs
A fugir dos polos.

As copas das árvores,
Refulgindo d’ouro
São candelabros a arder.
Num salão de rei.

E eu, navegador sem barco,
Tudo observo
Com olhar de príncipe.
Que banho de belo,
A estontear de luz,
Minha alma voa,
Qual pomba louca,
Pelo céu além.
Como gaivota perdida,
Ao cair da tarde.

Só me falta o mar,
Como manto azul,
Cobrindo meu leito
Onde eu vou sonhar.

Só faltam umas duas horas
Para cair a noite
E, a sono solto,
Eu  poder dormir.

Berlim, 25 de Novembro de 2013
14h20m
Joaquim Luís Mendes Gomes


domingo, 24 de novembro de 2013

criança até ao fim...

Criança... até ao fim...

Deus vai ajudar-me
A ser criança até ao fim...

Os cabelos que ainda tenho,
Já são brancos.
Mas minha alma é sempre verde,
Tem rebentos sempre a abrir.

Quer ser suave pradaria,
Dançando ao vento,
E brilhando ao sol,
No raiar das primaveras.

Onde, aos milhares,
Todas as abelhas
Poisem livres ,
Buscando o mel
Para levarem.

Não é d’agora,
É de sempre.
Esta fonte sempre a botar.

Água pura de nascente,
Só corre em mim,
Mas vem d’Alguém...
Porque é assim.

Há-de sonhar sempre
Como uma criança,
Por mais rigoroso e frio
Seja o inverno,
Com as prendinhas do Natal...

Só assim...quero viver.

Ouvindo Brendan Perry

Berlim, 25 de Novembro de 2013
8h10m
Joaquim Luís Mendes Gomes





delicadeza...

A delicadeza...

Arma discreta,
Que a natureza nos deu.
Corta fundo
Que nem bisturi.
Tudo desarma. 
Ninguém lhe resiste.

Por mais duro e empedernido,
Não há indiferença,
Por mais gelada,
Que ela não derreta.

Está inscrita e sempre à mão.
Basta usar no momento certo.
Arranca sorrisos.
Abre portas, mesmo de ferro.

Tão desprezada,
Mesmo esquecida.
Pouca gente a usa.

Em vez da perfídia,
A indiferença mortal.
Fica mais cara
E nada resolve.

A besta-homem,
Infelizmente,
É quem a comanda.
Mas sem a cabeça.

Por isso, este mundo
Está como está...

Virado do avesso.
Nunca esteve pior.

Berlim, 24 de Novembro de 2013
2021m
Joaquim Luís Mendes Gomes

mensagem da ilha...

Mensagem da ilha...


Passa ao largo da minha ilha
Um paquete branco.
Leva as luzes acesas.
 É de noite.

Não conheço quem leva lá dentro.
E, deles, ninguém imagina,
Nem a mim,
Nem a ilha.

Há sempre uma grande fronteira,
Que nos separa no mundo.
Mas nosso barco,
Em terra ou no mar,
É o mesmo.

Que chegue a bom porto.
Que tudo dê certo.

Quanto menos barreiras
E apertadas as mãos,
Mais seguro o barco
E quem vive na ilha,
A vê-lo passar...

Berlim, 24 de Novembro de 2013
10h40m

Joaquim Luís Mendes Gomes

sábado, 23 de novembro de 2013

vai haver neve a cair...

Se calhar, vai cair neve...

Está tudo a postos.
O chão estiolado,
Estendido ao comprido,
Sem cor.

As árvores ao ar,
De braços abertos rezando,
Despidas das folhas.

As folhas mortas,
Jazidas na terra
Juntam-se aos montes,
Nas bermas da estrada.
Como quem espera a carrada.

Os telhados  tristonhos,
De abas caídas,
Vêem-se sozinhos,
Sem pombas, nem andorinhas
Aos pares.

E os caminhos estragados
Pelos golpes da chuva,
Sangram de dor.
Esperando algodão que os sare.

Parece a hora da morte.
Que tudo acabou.

O céu anda cansado e tristonho,
Saudoso de luz.

Meus netos, já irrequietos,
Impacientes,
Se voltaram para mim:

- Avô! Quanto é que vem a neve
Para a gente brincar?...

Porque sou homem de palavra e de fé,
Com firmeza lhes digo:

- Tenham mais um pouco de paciência!...
O Menino Jesus está quase a chegar...

Ouvindo Hélène Grimaud,

Berlim, 24 de Novembro de 2013
7h53
Joaquim Luís Mendes Gomes


pintado de fresco...

Pintado de novo...


Pintei meu portão de vermelho.
Ali bem à frente,
Da minha janela.

Uma cor forte
Que faz frente ao sol.
Pus-lhe um letreiro:

“Pintado de fresco.”

Pela calada da noite,
Só podia ter sido.
Alguém, incauto,
Lhe pôs a mão.

Ficaram marcadas.
Eram de gente,
Sem luvas.
Tinha marcadas
Todas as linhas sulcadas,
De impressão digital.
Da palma e dos dedos.

Se fosse por mal,
Poderia chegar ao autor...

Dias depois, o telefone tocou.

Do lado de lá,
Uma voz furiosa
Que não disse quem era,
Descarregou-me a tropel,
Toda a maldade malvada
Que lhe ia na alma.
- que não havia direito
De se pintar um portão,
Onde passam pessoas,
Sem o cobrir...
Bati ao portão
E ninguém apareceu...
Só de má fé!...

Agarrei-me à cadeira,
Para não me estatelar.
Sem saber que dizer.

No domingo seguinte,
Fui à missa do dia.
Cumprindo o preceito.
Fui comungar.

Por acaso ou não,
Reparei na mão
Que segurava a patena.
Toda vermelha.
Da cor do portão...

Aquela ideia
Ficou-me a bailar...
- o figurão do portão
É  sacristão!...

Berlim, 23 de Novembro de 2013
20h32m
Joaquim Luís Mendes Gomes




negra e só, nas terras d'África...

Negra e só nas terras d’África...

Tinha tranças pretas
Aquela moça morena
De olhos tristes.

Viu-o partir
Banhada em lágrimas.

Bendita a guerra que o fez chegar.
Durante dois anos,
Que feliz foi...

Um príncipe encantado,
Que se enamorou dela
E a fez sonhar.

Tantas noites belas,
Na tabanca em festa,
Mesmo de colmo,
Uma fogueira a arder,
Com batuque
Em chama.
À luz do luar.

No seu ventre de amor,
Nasceu –lhe um tesouro.
Seria moreno,
De olhos azuis.
Um rosto de cor,
Entre o branco e o negro.
Um botão a abrir,
Em primavera em flor.

Foi o fim da guerra
Que o fez partir.

Jurando promessas
De um dia voltar...

Cruel força do destino,
Tão fatal em os prender...
Como de cego em os separar!...

Que será feito dela
E do fruto do seu amor?..
.
Não há nada no mundo
Nem de dia,
Nem de noite,
Que os faça esquecer.

Ele, longe, no fim do mundo
E ela, negra,
Nas terras d’África...

Berlim, 22 3 de Novembro de 2013
15h2m

Joaquim Luís Mendes Gomes

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

monte palha seca...

Monte de palha seca...

No meu quintal,
Juntei um molho de palha seca.
Tomei as devidas precauções.
Nela deitei minhas desilusões da vida.
Ateei-lhe o lume...

Nunca meus olhos espantados,
Viram tamanha explosão...

Nem o vesúvio em chama.
Não da palha,
Que só arde e queima.

Foi da lenha negra,
De sete dezenas de anos...

As da mocidade,
Mesmo verdes,
De tão puras,
Eram só pinhas.

Só fogo limpo...
Não faziam fumo.

As da tropa
Eram fulminantes.
Cheiravam a pólvora
E carne queimada...
Da guerra suja...

Mas as piores
Foram as do trabalho,
Uma selva em chama,
Devoradora e vil...
Onde o carvão a arder
Foi a dignidade humana...

Quando afinal,
Esperava respirar o ar
Da liberdade,
Com uma aposentação
Conquistada a ferro e fogo...
Veio a metralha infame
Destes traidores...
Uns incendiários...
Nunca fizeram nada!

Berlim, 22 de Novembro de 2013
21h17m
Joaquim Luís Mendes Gomes